quinta-feira, 18 de abril de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan (o meu Peter Pan)



Olá!

E chegou o momento de compartilhar com vocês a minha versão do Peter Pan, em formato de boneco de pano. Ufa, finalmente, você deve estar dizendo a si mesma, rsrsrsrs. Mas como dizia o sábio rei Salomão: tudo tem seu tempo determinado...

Peter Pan é muito mais que um personagem de uma peça teatral ou de um livro: ele é uma amálgama de todas as pessoas que fizeram parte da vida de James Matthew Barrie, incluindo ele mesmo. Por isso não é possível compreender a essência de Peter Pan sem conhecer o contexto de sua criação. Mas não se engane: mesmo assim, ele não se deixa decifrar plenamente, assim como o seu criador. 

Minha pesquisa tem sido uma gratificante e surpreendente viagem ao passado. As informações que encontrei - e continuo encontrando - estão muito além das minhas expectativas iniciais e pude compreender tudo que há por trás da lenda e tudo que não faz parte de Peter Pan. Quebrou paradigmas e concepções que, infelizmente, predominam na indústria do cinema, no teatro, nas publicações, no universo dos ilustradores e em toda a parafernália que a indústria de brinquedos vem produzindo há décadas.

A mídia, o marketing, os interesses econômicos, contribuem para desconstruir o personagem, distorcer a história e favorecer o esquecimento de sua origem e, até mesmo, de quem foi seu criador. Somente quando se busca as informações é que descobrimos o quanto perdemos quando nos deixamos levar pela superficialidade do que nos é dito e mostrado. E isso não acontece apenas com Peter Pan.

Tive a ideia de contar a história aqui no blog, da forma mais resumida possível, até chegar no romance Peter and Wendy publicado em 1911 quando, então, eu poderia mostrar minha versão do personagem, pois só assim teria um sentido pleno para mim. Peter and Wendy é a versão definitiva e foi neste livro que encontrei os elementos de que precisava para, finalmente, construir o meu Peter Pan do jeito que eu pretendia.

Queria uma versão livre das influências de todas as concepções equivocadas que surgiram a respeito da aparência do personagem, especialmente após 1953. Uma versão plena de sentido para mim depois de tudo o que li e aprendi e continuo a ler e aprender.

Queria uma versão original, única e consegui.

O resultado final mescla elementos presentes em "The Little White Bird", o livro de 1902, quando Peter Pan aparece pela primeira vez e elementos presentes em "Peter and Wendy".

Os elementos do primeiro livro estão presentes na minha versão de modo subjetivo, metafórico, digamos assim. Os elementos do segundo livro são mais concretos e evidentes à primeira vista.

Naturalmente, incluí elementos do meu próprio imaginário, isto é, elementos que para mim fazem sentido no contexto todo, a partir do que pude captar e expandir dentro de uma lógica simples.

E eis meu menino, andando na "floresta" com seus cabelos ao vento...

Os cabelos

J.M. Barrie nunca mencionou a cor dos cabelos de Peter Pan, mas era escocês e é comum os escoceses serem ruivos ou castanho-avermelhados. Bingo! Escolhi essa cor para dar ao visual do meu Peter Pan um sentido de "raiz" étnica, mesmo que os garotinhos da família Llewelyn Davies não tenham nascido com essa cor de cabelo.
Como fazer os cabelos do Peter Pan foi um dos desafios deste projeto. Finalmente, a conclusão mais lógica: cabelos "ao vento", que remetem aos vôos de Peter Pan e à sua vida ao ar livre.


A roupa de Peter Pan

No romance de 1902, que apresenta Peter Pan bebê, o personagem surge vestido com sua camisola de dormir, mas em pouco tempo passou a viver nu. O que sobrara de sua camisola foi utilizado para servir de vela de navegação no seu ninho feito pelos pássaros Tentilhões. Você pode rever aqui

No teatro, em 1904, Peter Pan recebeu um figurino apresentado em duas versões, que você pode ver na Parte 8 da história e, finalmente, no romance de 1911, Peter Pan está vestido com uma roupa feita de folhas esqueletizadas (skeleton leaves), claramente descrita no livro e mostrada nas ilustrações de Francis Donkin Bedford. A roupa foi feita pelas fadas, que estavam habituadas a trabalhar com esse material:
Fadas confeccionando uma cortina de Verão com folhas esqueletizadas
Ilustração de Arthur Rackham, 1906
"Peter Pan in Kensington Gardens"

A roupa de Peter Pan, no romance de 1911
Ilustração no Capítulo 1 - Edição da Zahar

Ilustração no Capítulo 8 - Edição da Zahar

Trecho do Capítulo 1 - Edição da Zahar, página 42

Bem, vocês podem imaginar o que aconteceu, certo? Sim, lá fui eu atrás de saber o que são folhas esqueletizadas!
Não só descobri o que são como também fui apresentada a uma arte muito antiga, incrível e sofisticada e, melhor ainda: pertinho de Holambra há quem produza folhas esqueletizadas artesanalmente, com alto grau de cuidado e qualidade, reproduzindo o processo que a natureza faz todos os dias a partir do momento em que as folhas caem das árvores.

Vejam, que lindas!
 


 Em outra oportunidade farei um post sobre essas folhas.

Imaginem uma pessoa com um sorriso de orelha a orelha quando se deu conta de que poderia reproduzir a roupa descrita no romance de 1911. Isso mesmo, euzinha aqui, que durante dias ri sozinha e me beliscava para ter certeza de que era verdade, kkkk

As folhinhas que utilizei para a roupa do meu Peter Pan medem entre 2 a 5 cm. Delicadas e ao mesmo tempo, muito resistentes





A roupa que fiz para Peter Pan remete, de certa forma, à natureza e à alma do personagem descritas no romance de 1902. Neste livro, Peter Pan é descrito como meio humano e meio pássaro. Quando ficou pronta e colocada nele, não pude evitar a associação imediata da aparência das folhas com as penas dos pássaros.

Algumas folhinhas foram parar nos cabelos do meu menino que, no romance de 1911, não usa chapéu.

A flauta...
No romance de 1902 Peter Pan construiu uma flauta de tubos utilizando juncos. Não é mera coincidência: trata-se da flauta de Pã, o deus grego dos bosques e das montanhas e outras coisas também. A flauta de Pã também foi feita de juncos, segundo reza a lenda da mitologia grega. Há uma estreita relação - e nem um pouco aleatória - entre o nome Pan de Peter Pan e o deus  da mitologia. Mas este é um outro assunto...

No romance de 1911 e na estátua que foi erguida em 1912 no Kensington Gardens, o formato da flauta é outro, mas optei por manter este.


Peter Pan não calça sapatos nem nada parecido no romance de 1911, então acrescentei um detalhe nos pezinhos dele: deixei sujinhos de terra...


A espada...
Assim como toca flauta, diverte as fadas e todos os habitantes da Terra do Nunca com sua alegria, Peter Pan, apesar da pouca idade que tem, também é capaz de portar uma arma e fazer uso dela em diversas situações. No romance de 1911 Peter usa uma espada. Mantive os dois elementos - flauta e espada - para enfatizar essa característica fundamental do personagem, mas optei por uma espada curta, mais proporcional ao tamanho do meu Peter Pan. Ele mede 40 cm de altura.



Peter vigiando (rsrsrs) a casinha construída para Wendy e segurando sua espada
Ilustração no Capítulo 6 - Edição da Zahar

Outras duas ilustrações em que o personagem está com sua espada
Ilustração do Capítulo 13 - Edição da Zahar

Ilustração do Capítulo 15 - Edição da Zahar

E aqui ele continua seu passeio entre árvores, pedras, musgos e folhas secas...

 

 


A expressão facial 






Propositalmente, a expressão facial do meu Peter Pan não é alegre, porque J.M.Barrie raramente sorria; porque Peter Pan é fruto de uma história pontuada por eventos trágicos desde que o autor tinha 6 anos de idade; porque a eterna criança é a representação da percepção consciente de J.M.Barrie de que ele nunca seria um homem pleno e isso o atormentava; porque Peter Pan não foi criado para ser um herói, e sim o vilão da história.

A ideia inicial do autor mudou logo após a estréia da peça de teatro: o Capitão Gancho foi incorporado posteriormente no papel de "vilão", mas originalmente ele foi criado para, apenas, aparecer entre uma troca de cenário e outra (que eram demoradas), e o público precisava ser entretido enquanto o processo acontecia.

É um personagem polêmico e quase desisti dele, mas segui em frente, à medida que ia compreendendo todas as razões...

E o nome?

Peter é homônimo do menino Peter Llewelyn Davies e Pan, como já mencionei mais acima, vem do personagem da mitologia grega Pã, deus dos bosques e montanhas, entre outras coisas. Pã também está associado à um modo de vida bastante distinto dos padrões convencionais - particularmente os padrões da época em que Barrie viveu - e a associação deliberada que Barrie fez explica muita coisa a respeito do personagem.

Por fim, não poderia faltar o registro de um elemento essencial em Peter Pan: a sombra


E é isso. Projeto concluído após quase dois meses de trabalho e estou muito, muito feliz!

Mas a história não acaba aqui, rsrsrs.
Ainda continuo a escrever e a sequência da série Seguindo as pegadas de Peter Pan continuará até o ano da morte do seu criador.

Até o próximo post!
Beijo
Ju





7 comentários:

  1. Ju, parabéns! Não somente pela execução do personagem e texto. Mas, por ter encontrado seu real dom. Seus projetos estão cada vez mais ricos. Obrigada por nos apresentar sua obra.

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  2. Ju seu Peter , sim seu ...sua versao e seus sentimentos colocados nele, ficou simplesmente fantástico. De uma delicadeza sem tamanho ;) adorei a criatividade da roupa em folhas. leve , delicado e lindo . bjs

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    1. Ro, muito obrigada. A roupa eu tive a sorte de ter tido a oportunidade de reproduzir tal como descrita pelo autor, que foi genial ao incluir no seu texto esse detalhe. A esqueletização de folhas era praticada na Inglaterra desde o século 19 e as folhas, utilizadas para confeccionar peças decorativas. Beijo

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  3. Como é bom ter alguém como vc!Essa busca de história, biografia, detalhes que raramente conhecemos...vc vai lá e traz pra nós! Adorei...muito delicado o seu Peter Pan...muito criativo e único!
    PARABÉNS, Ju...e obrigada por mais esse presente!
    bjks

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  4. Que lindo Ju.... Fico admirada com suas peças! 💕 Peter pan

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