terça-feira, 26 de março de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan (J.M.Barrie rumo a Londres)




Olá!

Dando sequência à série de textos "Seguindo as pegadas de Peter Pan", nossa viagem no tempo de hoje começa em Edimburgo, a capital da Escócia, depois segue para Nottingham e, finalmente, Londres.

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Edimburgo, Escócia (1878 - 1882)


Via

Inicialmente a vida de Barrie em Edimburgo não foi fácil: seus recursos eram escassos, socialmente ele sofria com sua habitual timidez em público e sua baixa estatura o incomodava. (Veja Nota 1) 

Durante o período universitário dedicou-se seriamente aos estudos, frequentou teatros avidamente e graças a um grupo de debates do qual fazia parte e às amizades que fez com outros estudantes,  Barrie superou consideravelmente sua timidez.  (ZIPES: 2004)


Além disso, sua paixão pelo críquete ³ o levou a criar um time, o "The Allahakbarries"  e um dos jogadores era nada mais nada menos que Arthur Conan Doyle, o escritor escocês criador de "Sherlock Holmes".
 Tinham em comum a nacionalidade escocesa, a formação universitária em Edimburgo, a paixão pelo críquete e a paixão pela literatura e pelo teatro. Tornaram-se grandes amigos e Doyle diria sobre seu amigo baixinho: "não havia nada de pequeno em Barrie exceto seu corpo".4



Nottingham, Inglaterra (1883 - 1884)


Em 1882 Barrie concluiu sua graduação e estava de volta à mesma situação de anos antes: formado e desempregado. Então retorna à sua aldeia Kirriemuir, na Escócia e no ano seguinte consegue uma vaga de jornalista num jornal inglês, o "Nottingham Journal", (localizado na cidade de mesmo nome)  onde trabalhou 18 meses. Nesse período ele teve oportunidade de "escrever artigos de perfis de pessoas (...), resenhas, contos e uma peça de teatro." (ZIPES: 2004)

Barrie morava na 5 Birkland Avenue, numa modesta casa estilo vitoriano, e no trajeto diário para o trabalho atravessava o "Nottingham City Park", atualmente conhecido como "Arboretum Park". 5
Este lugar é apontado como uma das suas fontes de inspiração para a futura "Never, never land", o que não é de se duvidar, dada a beleza inspiradora do lugar, especialmente o lago:


Mas a permanência de Barrie em Nottingham durou pouco devido às dificuldades financeiras do Nottingham Journal, e então, em 1884 ele retorna novamente à sua casa na Escócia, onde faria planos de se mudar para Londres, o que aconteceu em 1885.

O jornal onde Barrie trabalhou na cidadezinha inglesa de Nottinghamshire, ainda ostenta na fachada essa bela placa em homenagem ao jornalista que se tornaria, anos depois, um brilhante escritor e dramaturgo:




Londres (1885 - 1897)

A história de Barrie em Londres não se resume ao período 1885 - 1897, é muito mais longo. Porém, aqui neste post faço um corte em 1897 porque foi neste ano que Barrie conheceu as crianças que o motivaram, definitivamente, a finalmente trazer Peter Pan ao mundo e esta parte da sua biografia é vital para a compreensão do personagem.

Apenas cinco anos após se estabelecer em Londres, nas proximidades  do "British Museum", Barrie já era visto "como um dos jovens literatos mais promissores da Inglaterra". (ZIPES: 2004)

De 1888 a 1896, Barrie escreveu cinco obras de ficção, oito peças de teatro, um poema em homenagem ao grande Robert Louis Stevenson (o escritor preferido de sua infância), uma ópera e uma obra de não-ficção, que foi a biografia de sua mãe, Margaret Ogilvy (1896).

Sua produção seguiria adiante riquíssima, incluindo obras de cunho autobiográfico, como por exemplo, "Sentimental Tommy" , seguido por "Tommy and Grizel". Neste último, escrito em 1900, já havia prenúncios de Peter Pan:

" Pobre Tommy! Ainda era um menino, sempre um menino, tentando às vezes, como agora, ser um homem, e toda vez que olhava ao redor retornava correndo para a sua infância, como se a visse estendendo-lhe os braços num convite para voltar e retomar os seus folguedos. Gostava tanto de ser menino que era incapaz de crescer. (...)" (ZIPES: 2004)

Ainda segundo Zipes: 

"Essas passagens são significativas porque revelam como, ainda no início de sua carreira, Barrie tentou apresentar-se como um menino que não queria crescer.  (...) Barrie não revela verdades a seu respeito, mas dosa o quanto expõe, a fim de ocultar uma percepção inquietante de sua psique e de seu próprio comportamento. Muito escritores produzem obras autobiográficas para construir lendas acerca de si mesmos e impedir que o público forme opiniões autônomas a respeito deles. Barrie não agiu diferente, e sempre tentou censurar e controlar suas relações com o mundo exterior." (...)

Nos anos 1890 Barrie já era um escritor famoso, com uma situação financeira muito confortável, bem diferente dos anos anteriores. Agora, suas relações com o mundo exterior girava em torno do seu interesse pela alta sociedade e por mulheres, especialmente jovens atrizes. (ZIPES: 2004)
Uma delas chamou sua atenção em particular: Mary Ansell



Mary atuava na peça de Barrie, "Walker, London", de 1892
Apaixonado por ela, Barrie demoraria muito tempo até que criasse coragem para pedir-lhe em casamento. 
A união ocorreu em 1894 e foi um grande passo, primeiro porque esse casamento representou uma espécie de "entrada" no mundo adulto, por assim dizer. Segundo, porque não há relatos de que Barrie tenha tido qualquer relacionamento amoroso antes dessa união. Até então, ao que tudo indica, havia sublimado esse aspecto da vida; seus amores teriam sido platônicos, romantizados ao extremo e guardados em algum cantinho do seu ser.

Como diz Janet Dunbar:6

"Só Deus sabe que noite escura da alma J.M. Barrie precisou atravessar pela ideia de uma união com uma mulher de carne e osso. Nunca mais poderia refugiar-se em cenas românticas quando a vida pusesse sua poderosa imaginação em conflito com as realidades do casamento. O quanto Barrie tinha clareza sobre si mesmo? Será que sabia, ou suspeitava, que lhe faltava virilidade, e por isso não devia se casar de todo? É difícil acreditar que nunca pensasse sobre sexo, com a imaginação que tinha; da mesma maneira, não é difícil entender por que entrava em pânico com a ideia de qualquer contato carnal com as mulheres. Margaret Ogilvy tinha deixado sua marca no filho quando esse estava na idade mais suscetível, e em seu subconsciente, ele ainda aceitava a atitude puritana extremada da mãe, para a qual as relações entre o homem e sua mulher eram "lamentáveis mas necessárias". É provável que a única maneira que ele encontrou para resolver os complexos criados por essa atitude fosse a sublimação de seus desejos naturais - que transformava numa espécie de adoração romântica mas, no íntimo, sabia ser falsa, e que não tinha como controlar." (DUNBAR, citada em ZIPES: 2004)

Não é de se admirar, portanto, o fato de que essa união de Barrie com Mary não tenha produzido herdeiros, pois nunca foi consumada, isto é: Barrie e Mary nunca tiveram relações íntimas. Ele não conseguiu superar o conflito interno menino versus homem. Viver até o fim da vida nesse limiar indefinido seria, de fato, o seu destino.

A esta altura, Barrie mudou-se para uma luxuosa casa em Londres, próxima ao famoso e belíssimo Kensington Gardens (Veja nota 7), um lugar repleto de significado, o lugar onde Peter Pan "viveu" e de certa forma ainda "vive", pois lá está a homenagem que o próprio Barrie fez a ele em 1912:



A nova residência do escritor ficava muito próxima ao Kensington Gardens e Barrie costumava caminhar no parque diariamente, acompanhado do cão da raça São Bernardo, Porthos (1894-1901), seu cão amado.

Porthos
Foto muito antiga, sem data

Embora fosse de Mary e ela cuidasse dele, Porthos tornou Barrie seu preferido e ambos tornaram-se amigos inseparáveis até 1901, quando o cão adoeceu e foi levado para o Lar do Cão em Battersea, onde faleceu. (Veja nota 9)

Dois anos depois, os Barrie adotaram Luath, um cão da raça Terra Nova (Landseer Newfoundland) que serviria de base para o personagem Nana, a babá da família Darling:


Quando os Barrie se divorciaram Luath permaneceu, até sua morte por velhice, com Mary Ansell.

Voltando aos passeios de Barrie com Porthos no Kensington Gardens, durante um deles, em 1897, Barrie conheceu três meninos: George, John e Peter Llewelyn Davies. George tinha 5 anos, John 4 anos e Peter, menos de 1 ano de idade. 

 George Llewelyn Davies
Aqui aos 19 anos de idade


 John (Jack) Llewelyn Davies
Aqui aos 20 anos


 Peter Llewelyn Davies
Aqui sem idade informada


Peter Llewelyn Davies
Aqui aos 20 anos


A babá dos Davies, Mary Hodgson
(1876 - 1962)


Começava ali naquele encontro casual e inesperado, uma história que mudaria para sempre o rumo da vida de Barrie, da família Davies e traria Peter Pan ao mundo...

Continua no próximo post!

Até breve!

Beijo
Ju



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Notas
¹ Aos 18 anos de idade ele media 1,55 cm, quando a altura média dos homens britânicos² aos 21 anos na sua época era de 1,67 cm, segundo um estudo publicado em 2013 na revista científica Oxford Economic Papers. Teoricamente ele ainda cresceria até os 20 anos, mas isso não ocorreu.
Na tentativa de alegrar a mãe logo após a morte trágica do irmão, o favorito dela,  Barrie passou a vestir-se como ele e adotou seus modos e maneiras.  Além disso, ele e a mãe desenvolveram uma relação muito próxima, como nunca antes, mas sempre tendo o falecido irmão como vínculo principal. Essa convivência repleta de emoções conflitantes com toda certeza produziu efeitos psicológicos e emocionais não de todo positivos. 
Há quem sustente a tese segundo a qual um dos efeitos desse processo foi a baixa estatura. Na biografia da mãe que ele escreveu, Barrie afirma que o único consolo dela era a percepção de que seu filho morto permaneceu para sempre como seu pequeno David... Assim, em tese, sob o efeito do estresse emocional decorrente do quadro depressivo da mãe contra o qual Barrie lutou bravamente para reverter (apesar de ter somente 6 anos de idade), seu corpo supostamente teria "parado" de crescer, assumindo a estatura que o irmão David tinha quando faleceu aos 13 anos. 
Atualmente seria dito que, de alguma forma, o chamado Hormônio do Crescimento (GH) parou de ser produzido por seu organismo. Outro efeito foi o seu amadurecimento precoce, ao assumir aspectos da personalidade do irmão morto, 7 anos mais velho que ele.
Os efeitos psicológicos e emocionais desse período crítico em sua infância o acompanhariam por toda a vida, mas ele havia feito uma promessa a si mesmo: buscar sucesso na vida para “restaurar a saúde e a felicidade da mãe” (ZIPES: 2004) e empenhou-se fortemente para isso, mas assim como o próprio Barrie nunca soube, também nunca saberemos se Margaret Ogilvy teria sentido orgulho do filho pelo qual ela e o marido não nutriam muitas expectativas. Não do modo como nutriram em relação ao irmão morto, David.

² Britânicos são todos os nascidos em quaisquer dos países que formam o Reino Unido, ou seja: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Barrie, como sabemos, era natural de Kirriemuir, Escócia. E em termos de altura, sabe-se que os escoceses são particularmente altos, em média mais até que o restante dos britânicos. Mais um motivo para Barrie sentir-se constrangido...

³ Segundo a Wikipédia , o críquete é um esporte que utiliza bola e tacos, cuja origem remonta ao Sul da Inglaterra, em 1566. Considerado por muitos um jogo parecido com o basebol, ele foi inspirado num rudimentar jogo rural medieval chamado stoolball. Foi adotado pela nobreza no século XVII.

4 https://www.arthur-conan-doyle.com

5 Sobre o Arboretum Park: https://www.visit-nottinghamshire.co.uk/things-to-do/nottingham-arboretum-p641471

6 Janet Dunbar é autora do livro "J.M.Barrie: The Man Behind the Image", 1970. Infelizmente, sem tradução para a Língua Portuguesa.

7 Para saber mais sobre o Kensington Gardens, vale a pena visitar estes sites: https://www.royalparks.org.uk/parks/kensington-gardens e https://en.wikipedia.org/wiki/Kensington_Gardens

8 Porthos foi um presente de Barrie para sua esposa Mary Ansell, quando eles estavam na Suíça. O nome Porthos não está relacionado ao personagem homônimo de Os Três Mosqueteiros, tratando-se de mera coincidência

9 Battersea é um abrigo para animais desamparados, fundado em 1860 e ainda ativo. Se quiser saber mais, vale a pena acessar o site: https://www.battersea.org.uk









segunda-feira, 18 de março de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan... (J.M. Barrie e Dumfries)




Olá!

Este é o quarto post da série "Seguindo as pegadas de Peter Pan", e dá continuidade à biografia de James Matthew Barrie, agora especificamente sobre o período em que ele estudou na Dumfries Academy, escola situada na cidade homônima localizada ao Sul da Escócia. Barrie frequentou a academia dos 13 aos 18 anos.
A Dumfries Academy ainda existe e continua em funcionamento. Essa parte da trajetória de Barrie é particularmente especial porque em Dumfries, ainda muito jovem, ele deu início à sua futura brilhante carreira de escritor e dramaturgo e um lugar em particular na cidade, o jardim de Moat Brae, serviu de cenário para muitas aventuras e encenações e onde podemos encontrar, digamos assim, a gênese de Peter Pan.

Moat Brae é uma propriedade com quase 200 anos de existência, considerada o local de nascimento de Peter Pan pela comunidade local e, atualmente, é um Centro Nacional de Literatura Infantil e Contação de Histórias.


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Dumfries, Escócia
(A gênese de Peter Pan)
1873 - 1878

Dumfries Academy
Via

Dumfries Academy
Via

Sobre suas expectativas iniciais ao chegar à Dumfries Academy, Barrie escreveu:

 ... “Quando cheguei à Academia, pretendia trabalhar duro… e provavelmente teria trabalhado duro… se não fosse por outro menino que me desorientou. Foi Stuart Gordon. Mas esse não era o nome pelo qual ele era conhecido na escola. Ele veio até mim e perguntou meu nome. Eu disse a ele. Isso não pareceu agradá-lo. Ele disse; Vou te chamar de Jack Dezesseis Cordas. Perguntei o nome dele e ele disse que era Dare Devil Dick. Ele me perguntou se eu iria me juntar a sua tripulação pirata. Eu aceitei. Isso foi fatal para o meu prêmio.”...

Nos esportes suas preferências eram futebol, críquete e, curiosamente, patinação no gelo. Curiosamente porque seu irmão, alguns anos antes, havia morrido justamente em decorrência de uma grave queda enquanto patinava no gelo.

Ele empenhava-se em conseguir patrocínio para as equipes esportivas da Academia e dedicava muitas horas escrevendo cartas para empresários locais e ex-alunos da escola com este objetivo.

No entanto, amigos e professores perceberam seu amor pelo  teatro e pela literatura inglesa e norte-americana e o encorajavam nesse sentido. Em 1876 Barrie criou o Dumfries Academy Drama Club, do qual era Secretário. A primeira temporada exibiu um drama triplo de comédia, intitulado "Off the Line", no qual Barrie interpretou o personagem Henry Coke, um maquinista. A segunda temporada foi aberta com "Awkward Alike or Which is Browne", uma comédia em um único ato, na qual Barrie interpretava uma jovem chamada Adele.

A primeira produção teatral de Barrie, aos 15 anos de idade, foi "Bandelero, the Bandict"  que também fez parte da programação do Clube de Teatro.

Teatro em Dumfries, muito frequentado por Barrie, que 
gostava de sentar-se na plateia de modo a conseguir espiar 
os bastidores da peça que estivesse sendo encenada

Em seus últimos anos em Dumfries, conquistou prêmios por ensaios escritos, mas nunca chegou a receber um primeiro prêmio:

"Recebi 2 ou 3 prêmios na Academia, mas nunca o 1º. Lembro-me de um prêmio que recebi... Foi concedido pelas meninas em uma votação e dado ao menino com o sorriso mais doce da escola. O trágico é que meu sorriso desapareceu naquele dia e nunca mais foi visto."


Enquanto estava na Dumfrie Academy, Barrie aprendeu a admirar dois renomados escritores escoceses: Thomas Carlyle (1795-1881) e Robert Michael Ballantyne (1825-1894). Deste autor, o livro “A Ilha dos Corais” (1854), inspirou Barrie a escrever seu primeiro trabalho de ficção, “Log-Book”, na verdade um registro das aventuras dele e seus amigos no jardim de Moat Brae.

Sobre Thomas Carlyle, Barrie diria:


“... ele foi o único escritor que eu já tentei imitar.”


 
Moat Brae em 2015 ¹


Barrie morava com o irmão a poucos metros de Moat Brae e o jardim dessa propriedade serviu de cenário para inúmeras aventuras organizadas por ele e seus amigos. E este tornou-se o lugar mais frequentado por ele enquanto viveu em Dumfries. Foi no jardim de Moat Brae que Peter Pan começou a nascer...

...” Quando os tons de luz começaram a cair, certos jovens matemáticos trocaram seus triângulos e subiram em árvores (...) em uma odisseia que muito tempo depois se tornaria a peça Peter Pan. Pois nossas escapadas em um certo jardim de Dumfries, que é uma terra encantada para mim, foram certamente a gênese desse trabalho abominável.”...²

Você deve estar achando estranha a expressão "trabalho abominável"... E de fato é, mas sobre o significado disso falarei mais adiante.

Algumas imagens do jardim que tanto encantou Barrie ³







Em 1878 Barrie deixa Dumfries para ingressar na Universidade de Edimburgo, onde, para satisfazer a vontade de sua família, que fazia questão que tivesse um título universitário, graduou-se em Artes com especialização em Literatura em 1882. (ZIPES: 2004)

Em 1893 ele retornou à Dumfries Academy para fazer a entrega de prêmios a alunos. Sua última visita ao local ocorreu em 1924, quando já era reconhecido como um brilhante escritor e dramaturgo. Naquele ano ele fora convidado a retornar também para receber uma homenagem especial: a Freedom of The Burgh (algo similar a receber a chave da cidade) e uma avenida com o seu nome: Barrie Avenue.

Ao iniciar seu discurso, ele afirmou:

“Eu me lembro do provérbio espanhol: Deus nos dá nozes quando não temos dentes para quebrá-las... deixe-me contar algumas das nozes que Dumfries me deu, cujo sabor ainda é doce na língua.”

E nesse mesmo discurso, enfatizou:

“Eu acho que os cinco anos que passei aqui foram provavelmente os mais felizes da minha vida, pois eu realmente amei este lugar.”


O pequeno Barrie, aos 14 anos.
(Primeiro no alto, à esquerda)

A placa que homenageia os estudantes notáveis da Academia

Via

A história da Dumfries Academy remonta ao século XIV e foi a primeira escola na área de Dumfries. Continua existindo e continua ativa. Caso tenha interesse na sua história, visite o site


Continua no próximo post!

Beijo
Ju


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¹ Caso tenha interesse, a história completa de Moat Brae pode ser conhecida no site peterpanmoatbrae.org

² Idem


³ As imagens do jardim de Moat Brae foram emprestadas do mesmo site 

sexta-feira, 15 de março de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan... (J.M. Barrie, o "pai" de Peter Pan)




Olá!

Neste post, terceiro da série "Seguindo as pegadas de Peter Pan", vou falar sobre seu autor/criador. As informações aqui contidas foram obtidas de várias fontes secundárias encontradas em diversos sites estrangeiros que tratam do assunto, dentre as quais selecionei as mais confiáveis a partir da confrontação de dados que pude fazer.

A mais completa, precisa e objetiva biografia existente é a que foi feita por Andrew Birkin e publicada pela Universidade de Yale/EUA, em 1979 (em 2003 foi publicada em formato paperbook). Infelizmente não há tradução para a Língua Portuguesa, mas, felizmente, pude ter acesso a algumas informações dessa biografia através de outros autores que a utilizaram em seus trabalhos.

Um deles é a Mestre em Letras pela Universidade de São Paulo, Ana Lúcia White, que transcreveu trechos da biografia de Birkin na sua dissertação de mestrado em 2011; outro é o especialista em clássicos e fábulas norte-americano, Jack Zipes, que a utilizou para escrever o pósfacio do livro "Peter e Wendy", publicado pela editora Cosac Naify em 2004, do qual eu consegui uma versão traduzida para a Língua Portuguesa. Finalmente, Silvia Herreros de Tejada, que escreveu o Prólogo do livro "Peter Pan: la obra completa", publicado pela editora espanhola Neverland Ediciones SL, em 2009.

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James Matthew Barrie (1860 - 1937)


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"A vida é uma longa lição de humildade"
(Do livro de 1897, "Margaret Ogilvy")
Fonte


Kirriemuir é uma muito antiga e charmosa vila de ruelas estreitas e casas feitas com tijolos vermelhos. Situada na região denominada Angus, nas Lowlands escocesas, fica acerca de 130 km de Edimburgo, a capital da Escócia.

Num passado distante chegou a ser um importante centro eclesiástico e no século XIX destacava-se economicamente graças à indústria têxtil que ali se desenvolveu. Atualmente, Kirriemuir vive basicamente da agricultura e do turismo.

Uma das principais atrações turísticas da aldeia é o JM Barrie Birthplace's, ( ou Berço de JM Barrie) visitado por pessoas de todo o mundo que, de uma forma ou outra, em algum momento de suas vidas, conheceram Peter Pan.

Segundo o site de turismo masedimburgo.com

"Tudo em Kirriemuir parece gravitar em torno de James Matthew Barrie, até mesmo as lojas e hotéis, que têm nomes como The Wendy House, Ogilvy Bar (o sobrenome de sua mãe), The Thrums (o nome fictício que o escritor deu ao povo em alguns de seus romances)..."

JM Barrie Birthplace's foi, originalmente, a casa de família Barrie, onde James Matthew Barrie, autor/criador de Peter Pan nasceu e viveu durante cerca de 13 anos e que foi transformada em museu histórico em sua homenagem. Está localizada na Brechin Road, 9.

Fonte

Outras imagens interessantes podem ser apreciadas aqui

Barrie nasceu em plena Era Vitoriana, no dia 09 de Maio de 1860. Filho do casal Margaret Ogilvy, dona de casa, e David Barrie, tecelão. Além de James, o casal teve outros 9 filhos.

Seu nome do meio, Matthew, foi acrescentado em homenagem à parteira que tinha dado à luz todos os filhos, a babá Matthew.

A família não possuía muitos recursos e o pai era um trabalhador incansável, que pouco tempo dedicava aos filhos ou mesmo sequer os via, apesar de ter sua oficina no andar térreo da residência.

" Embora a família fosse grande e o dinheiro escasso, a família Barrie conservava uma independência altiva e acreditava profundamente no poder da religião e da educação para melhorar a sorte nesta terra." (ZIPES:2004)

A mãe era totalmente dedicada às crianças e

(...)" mantinha um controle cerrado sobre as crianças para garantir que se mantivessem limpas e diligentes, frequentassem a igreja todo domingo, lessem a Bíblia e se saíssem bem na escola." (ZIPES:2004)

Margaret Ogilvy e seus três primeiros filhos: Mary, Jane Ann e Alexander

Margaret Ogilvy
Ilustração de F. D. Bedford
Fonte

Barrie era um ávido leitor e cresceu ouvindo histórias contadas pela mãe ou lendo histórias junto com ela. O primeiro livro que leu foi "Robinson Crusoé" (escrito por Daniel Defoe e publicado originalmente no Reino Unido em 1719) e as histórias favoritas de sua mãe eram as escritas pelo escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894). O segundo livro foi “As Mil e Uma Noites”, uma coleção de histórias e contos populares originárias do Oriente Médio e do Sul da Ásia, compiladas em língua árabe a partir do século IX.

Barrie relembra, na biografia de sua mãe, escrita por ele:

“Além de ler todos os livros que pudéssemos alugar ou emprestar, eu também comprava um de vez em quando e, enquanto o comprava – o que levava semanas – eu lia, parado em frente ao balcão, mais outros livros na loja – que é talvez a maneira mais requintada de ler.”

Barrie também interessava-se pelo teatro e pode-se dizer que até os 6 anos de idade teve uma vida tranquila. Mas isso mudou bruscamente em 1867, com a inesperada e trágica morte do segundo filho do casal, David, aos 13 anos de idade. Era o favorito da família e por quem os Barrie nutriam grandes expectativas para o futuro, investindo fortemente na sua educação para se tornar pastor protestante.

A morte do irmão mergulhou a mãe das crianças em profunda depressão (na época era diagnosticada como "melancolia" ou "neurastenia"), da qual nunca saiu durante todos os 29 anos que permaneceu viva desde então, até sua morte em 1896.

O fato é que esse episódio trágico afetaria a família como um todo: a mãe passou a ser o centro das atenções, tendo sido cercada de cuidados o tempo todo, acompanhada de perto especialmente pela filha Jane Ann.

Margaret Ogilvy e Jane Ann

No caso de James Barrie, particularmente, a morte do irmão introjetou nele a percepção de que nem todas as crianças crescem e, de certo modo, sua infância foi interrompida ali, juntamente com a puberdade do irmão morto. Curiosamente, nem sequer na estatura Barrie cresceu: consta que aos 18 anos de idade ele não passava de 1,55 cm de altura.

Segundo consta, ele teria anotado num de seus diários:

(...) "O terror da minha infância foi saber que chegaria o momento em que teria que deixar de brincar." (...)   (Fonte)

Os anos em que Barrie conviveu com a mãe após a morte do irmão parecem ter sido fundamentais na formação de determinados traços de sua personalidade, os quais têm íntima relação com determinados aspectos da personalidade do futuro Peter Pan.

Como observou Céline-Albin Faivre:

" Barrie escreveu um belo livro sobre sua mãe, Margaret Ogilvy. (...) Acho impossível entender esse autor sem ler este livro, porque JM Barrie revela a parte mais íntima dele. Lá ele relata sua infância, a relação com as histórias que sua mãe lhe contou, sua vida na Escócia e a morte dessa mulher, que moldou seu relacionamento com todas as outras mulheres e ... com ficção. Tudo está germinando neste livro. "  (Fonte)

A biografia de Margaret Ogilvy escrita por Barrie foi publicada em 1897, um ano após a morte dela e foi dedicada à memória de sua irmã, Jane Ann.

Esta é uma das capas mais antigas. O livro ainda se encontra à venda, em diferentes edições e capas.

Fonte

Barrie inicia a biografia de sua mãe com essa lembrança:

"No dia em que nasci, compramos seis cadeiras (...) e, em nossa pequena casa, foi um evento, a primeira grande vitória da longa campanha de uma mulher; como eles tinham sido trabalhados, a nota da libra e os trinta centavos que custavam, que ansiedade havia sobre a compra, o espetáculo que elas faziam na sala oeste, a frieza natural do meu pai quando ele as trazia (mas o rosto dele era branco - ouvi tantas vezes a história depois, e compartilhei como menino e homem em tantos triunfos semelhantes), que a chegada das cadeiras parece ser algo de que me lembro, como se tivesse pulado da cama naquele primeiro momento."  Fonte

E também relata sobre o dia em que a família recebeu a notícia da morte do irmão:

"Ela tinha um filho que estava longe na escola. Lembro-me muito pouco dele, só que ele era um garoto de rosto alegre que corria como um esquilo por uma árvore e sacudia as cerejas no meu colo. Quando ele tinha treze anos e eu tinha metade de sua idade, a terrível notícia veio, e me disseram que o rosto de minha mãe era horrível em sua calma quando ela partiu para ficar entre a morte e seu filho. Nós a acompanhamos até a estação (...), e acho que a invejava na jornada nas misteriosas carroças; Eu sei que ficamos ao redor dela, orgulhosos do nosso direito de estar lá, mas eu não me lembro, só falo de boatos. A passagem dela foi tirada, ela nos despediu com aquele rosto de luta que não vejo, e então meu pai saiu do escritório do telégrafo e disse com voz rouca: "Ele se foi!" Então nos viramos muito quietos e voltamos para casa (...). Mas eu falo de boatos não mais; Eu conheci minha mãe para sempre agora." Fonte

Nos anos 1870, com o auxílio e supervisão de seu irmão mais velho, aos 8 anos de idade James Matthew Barrie deixa a aldeia de Kirriemuir para ir estudar em Glasgow. Posteriormente, aos 13 anos, vai para a cidade de Dumfries, localizada nas terras altas do Sul da Escócia.

Consta que o período em que viveu em Dumfries foi particularmente lúdico e inspirador no processo de amadurecimento de ideias e concepções que iriam influenciar sua futura carreira de escritor e dramaturgo e, sem dúvida, também na criação do seu futuro personagem Peter Pan. 

Segundo ele mesmo, os anos passados em Dumfries foram os mais felizes de sua vida.

Continua no próximo post!

Beijo
Ju




quinta-feira, 14 de março de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan... (Peter Pan não foi criado por Walt Disney)




Olá!

Neste post começo a falar sobre o autor/criador do personagem Peter Pan, infelizmente desconhecido por grande parte do público leitor leigo e mesmo do público leitor especializado, salvo raras exceções neste último grupo, especialmente no Brasil. Não porque ele não tenha sido importante, ao contrário: foi um homem que construiu uma brilhante carreira no meio literário e também na dramaturgia europeia, mais especificamente no Reino Unido, com grande repercussão em outros países da Europa. Esse desconhecimento acentuou-se especialmente a partir da década de 1950 e especialmente na América Latina. 

No Brasil, especificamente, um dos motivos foi a falta de traduções para a Língua Portuguesa dos textos sobre Peter Pan que foram publicados pelo autor a partir de 1902.  
Não quero com isso dizer que, no Brasil da primeira metade do século XX, ninguém tenha lido na Língua Inglesa, obviamente. É possível que sim, mas caso isso tenha ocorrido por parte do público leitor leigo, permaneceu sem grandes repercussões e seu impacto e significados perderam-se ao longo do tempo.

Sabe-se, no entanto, que no meio literário brasileiro da primeira metade do século XX Peter Pan era conhecido. Em 1930 Monteiro Lobato "apresentou" ao público infantil brasileiro a sua versão do personagem e arrisco dizer que muita gente acredita que Peter Pan foi criado por Monteiro Lobato. 

Veja só o que diz o Wikipedia:

"Peter Pan é um livro infantil escrito por Monteiro Lobato e publicado em novembro de 1930."

Mas isso foi só o começo do processo de "apagamento" não apenas da verdadeira autoria do personagem, mas também - e pior - , do processo de descaracterização que o personagem viria a sofrer ao longo do tempo, graças ao bel prazer de diretores de cinema e de escritores de obras destinadas ao público infantil mundo afora e especialmente na América Latina. 

Essa descaracterização não se limita à aparência física de Peter Pan. Antes fosse, até porque seu autor/criador não o descreve com precisão, apenas nos dá pistas e indícios, aliás, suficientes para que nossa imaginação não voe alto demais. A descaracterização atinge também a personalidade do personagem e, em alguns casos, adultera a própria história que lhe deu origem, uma história que está relacionada com pessoas reais e, no meu entendimento, adulterar a história do personagem revela, por um lado, o total desconhecimento de sua origem e, por outro, casa haja esse conhecimento, um total desrespeito com a história de sua origem e com as pessoas que inspiraram o seu autor/criador.

O ano de 1953 foi o ano da "pá de cal", digamos assim. Naquele ano Walt Disney, após décadas de tentativas e esforços, finalmente conseguiu adaptar a história Peter Pan para o cinema e mostrou ao público mundial um filme cujo enredo não aproveitou um diálogo sequer do texto original tanto da peça teatral de 1904 quanto do romance publicado em 1911 e, ainda, apresenta um Peter Pan elfo, algo que ele nunca foi.

Eu conheci Peter Pan através de Walt Disney, assim como a maioria das crianças da minha geração. 
Gerações inteiras que vieram depois da minha, também. Você, muito provavelmente, também conheceu Peter Pan através do filme de Walt Disney...

O fato é que a versão Disney, tanto no que diz respeito ao enredo quanto em relação à aparência do personagem, serviu de espelho para todo o resto que veio a seguir, pelo menos no Brasil, mesmo tendo havido um certo período em que se tentou "resgatar" a originalidade de Peter Pan.

Segundo afirma Vera Lúcia White, na conclusão de sua dissertação de mestrado intitulada "A influência do filme de Walt Disney nas traduções e adaptações brasileiras de Peter Pan entre 1953 e 2011":

(...) "Tão grande é o poder do desenho animado da Disney que a visão de Peter Pan apreendida pelo mundo ocidental de maneira geral atualmente é a imagem do Peter Pan criado por Walt Disney no início da década de 1950." (...) [E] "Apesar do filme de Disney não se apresentar com a mesma força impositiva de parâmetro único e com status de original dentro do círculo da literatura infanto-juvenil adquirido anteriormente, nota-se que em muitas esferas não houve alteração nenhuma." (Pág. 111)

A esmagadora maioria dos livros publicados no Brasil que pretendem contar a história Peter Pan não apresenta o texto original e muito menos integral e ainda confundem tudo ao classificar Peter Pan como uma história infantil. Não é. A peça teatral sim, era destinada ao público infantil e adulto. O texto da peça foi revisto e aprimorado pelo autor até 1928 quando, finalmente, foi publicado. A peça foi vista por milhares de pessoas ao longo de décadas na Europa. 
Mas o texto do romance publicado em 1911 "Peter & Wendy" e depois, mais tarde, apenas "Peter Pan", não é um texto exatamente destinado ao público infantil.

Como diz o acadêmico e especialista em clássicos e fábulas norte-americano, Jack Zipes no posfácio que escreveu para a edição com texto integral de "Peter & Wendy" publicada pela Editora Cosac Naify, em 2004:  

(...) "O romance "definitivo" é a mais complicada e sofisticada de todas as versões
de Peter Pan, e embora possa dirigir-se em parte aos leitores jovens, é (...)      
escrito antes de tudo para adultos. Não se trata de ficção para crianças. As      
alusões cifradas, os apartes, os gracejos e as intrusões que ocorrem com piscadela de olhos são numerosos demais para que uma criança possa perceber tudo o que ocorre ao longo do romance. Não que os leitores adultos possam compreender por completo o significado de Peter e da Terra do Nunca, mas fica claro que o narrador do romance conta sua história para adultos e, dado o conhecimento íntimo dele sobre as crianças e o mundo delas - algo que ostenta para seus leitores -, assume a missão de explicar as crianças para os adultos." (...)

De fato. Estou lendo o texto integral de Peter Pan, publicado pela Editora Zahar em 2012. Uma edição primorosa em capa dura, comentada e ilustrada. As ilustrações são uma reprodução autorizada das ilustrações originais de F.D. Bedford para o livro publicado em 1911.


O texto é extremamente rico e maravilhoso,  mas devo dizer que concordo com Jack Zipes: não é para uma criança. E também não é para um adulto que não conheça a história por trás da história de Peter Pan.

Tudo isso e muito mais eu descobri recentemente, graças à minha vontade de criar uma versão do personagem em formato de boneco de pano plena de significado e sentido para mim e não poderia  fazer isso sem antes conhecer sua história e assim fui completamente arrebatada por uma história incrível que tentarei contar a vocês aos poucos, aqui no blog.

No próximo post falarei sobre James Matthew Barrie, o autor/criador de Peter Pan

Beijo
Ju