quarta-feira, 24 de abril de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan (e as fadas levaram a culpa!)




Olá, boa tarde!

Finalizado o projeto que resultou na minha versão do personagem, estou de volta para continuar a história que comecei a contar aqui. Minha intenção é chegar até o ano em que James Matthew Barrie deixou de caminhar na Terra.

Aproveito para agradecer as manifestações que recebi aqui e no Messenger referentes à minha versão do Peter Pan. Muito obrigada!

-------------------------------------------

E as fadas levaram a culpa!

Na calada da noite de 30 de Abril de 1912 uma curiosa movimentação aconteceu em determinado local do Kensington Gardens...

Já sabemos que na época em que Barrie viveu, os seres mágicos que habitam aqueles jardins -  sobretudo as fadas - tornavam-se donos do lugar e se movimentavam livremente após o fechamento dos portões, mas naquela noite algo diferente aconteceu e embora elas não tivessem nada a ver com o fato, as fadas acabaram levando a culpa...

E o que acontecia na calada da noite de 30 de Abril de 1912 no Kensington Gardens

Desde a estreia da peça de teatro em 1904, Peter Pan tornou-se assunto corrente e com a publicação do livro Peter & Wendy, em 1911, mais ainda. As crianças do Reino Unido, sobretudo, não falavam em outra coisa.

Para celebrar o Dia de Maio com uma surpresa especialmente preparada para as crianças, Barrie colocou uma estátua de Peter Pan nos jardins, exatamente no local onde o personagem, ainda bebê teria aterrissado em 1902, após deixar seu quarto e sair voando. (Veja nota 1)

A ideia surgiu em 1906, ano do lançamento de "Peter Pan in Kensington Gardens" e Barrie idealizou uma estátua do personagem inspirada na figura de Michael Llewelyn Davies, seu favorito dentre os meninos da família Davies.

A estátua de bronze foi feita pelo escultor George Frampton e, por motivos que ainda desconheço, ela não retratava Michael Llewelyn Davies, como Barrie havia determinado, mas um outro menino e isso causou um mal estar entre Barrie e o escultor. 

De acordo com Patricia Bou:

"(...) Barrie não estava completamente satisfeito com o trabalho de Frampton. O escultor não havia modelado Peter Pan em Michael Llewellyn Davies como Barrie pretendia, mas em vez disso, usara outro garoto, possivelmente James W. Shaw ou William A. Harwood. Barrie disse sobre a estátua: "Não mostra o diabo em Peter". " (Veja nota  2)

Assim mesmo, foi erguida durante a noite de 30 de Abril de 1912 porque a Prefeitura da cidade não havia concedido licença a Barrie para erguer uma estátua dentro do Kensington Gardens. 

Mas Barrie não pretendia que a estátua fosse imediatamente vista. Ele queria que ela fosse encontrada inesperadamente... Assim, ela foi erguida ao lado do lago Long Water, em meio aos arbustos, exatamente onde Peter Pan aterrisou em 1902, ainda bebê. Somente quem passasse por ali a veria...


De acordo com Patricia Bou:

""Não houve pré-publicidade ou cerimônia formal de inauguração. Barrie, que não só não conseguiu permissão para colocá-lo em Kensington Gardens, insistiu em que fosse erguida no meio da noite para dar a ilusão de que a escultura havia aparecido por magia. Assim, a estátua apareceu "magicamente" em 1º de maio de 1912 (o primeiro de maio), no mesmo dia em que Barrie colocou o seguinte anúncio no The Times:

"Há uma surpresa para as crianças que vão a Kensington Gardens para alimentar os patos no Serpentine esta manhã. Descendo pela pequena baía no lado sudoeste da cauda da Serpentina eles encontrarão um presente de maio pelo Sr. JM Barrie, uma figura de Peter Pan soprando sua flauta no toco de uma árvore, com fadas, camundongos e esquilos por toda parte. É o trabalho de Sir George Frampton, e a figura de bronze do menino que nunca cresceria é deliciosamente concebida. "" (Veja nota 2)

Havia sido, portanto, uma obra das fadas...


Evidentemente, as autoridades locais nada puderam fazer e a estátua permanece lá até os dias de hoje encantando gerações desde 1912. Tornou-se um dos principais atrativos do Kensington Gardens para multidões de visitantes, especialmente nos meses de Verão.

E ela é realmente muito linda... (Veja nota 3)
Repleta de significados relacionados a um universo encantado. Peter está sobre um tronco de árvore, tocando sua flauta (aqui representada em um formato diferente). Fadas, coelhos, camundongos, esquilos e pássaros estão com ele




 















Enquanto estava escrevendo este post, me deparei com uma informação triste sobre a estátua de Peter Pan em Kensington Gardens, publicada estes dias em alguns sites.
A administração do Kensington Gardens fez mudanças radicais no local onde se encontra a estátua, movida por objetivos que não estão agradando algumas pessoas e uma delas é o sobrinho-neto de James Matthew Barrie, David Barrie.

As mudanças colocam o monumento apoiado num pedestal elevado, para "dar maior acessibilidade", dizem; inclui ainda modificação nos elementos de paisagismo, tão radicais que parece que o monumento foi trocado de local, pois antes ficava semi-oculto, não era facilmente visível e isso foi proposital. Era para ser "descoberto" pelas pessoas quando estivessem muito próximas a ele. E subentende-se perfeitamente a intenção de Barrie: Peter Pan não é para todos; é preciso estar em sintonia com a "floresta", com os mistérios e a magia... Portanto, se você se limitasse aos percursos óbvios do parque, não o veria... 
As mudanças incluem, ainda, grades no entorno. Isto é: descaracterização da área e dos significados...

As obras foram realizadas em 2018.

O sobrinho-neto de Barrie fez um desabafo ao Sunday Telegraph, no dia 13 de Abril passado: (Veja nota 4)

David Barrie
Foto de  Geoff Pugh
 Via

"Ele teria ficado nauseado com a elevação de Peter Pan neste tipo de ícone, sentado em cima deste grande pedestal."

David diz ter descoberto a modificação por acaso, ao visitar os jardins e afirmou:

"Meu queixo caiu. Havia grandes tratores rasgando o lugar. Eles estavam orgulhosamente proclamando em um cartaz que tudo ia ser novo e maravilhoso... Quem inventou esse esquema simplesmente não entende. Não é por isso que a coisa foi encomendada e não é por isso que foi colocada onde estava. Apenas comunica todas as mensagens erradas.
Este pedestal grandioso e desajeitado, assim como o paisagismo, parecem-me completamente em desacordo com o objetivo de JM Barrie, que era que a estátua deveria surpreender o visitante e misturar-se ao ambiente, crescendo fora do solo, como uma árvore...
Sua posição foi cuidadosamente considerada por Barrie. Não foi por acaso que estava no nível do solo e que estava em um pequeno recanto de arbustos onde você não a veria até que estivesse certo. Agora o que eles fizeram? É neste pedestal pomposo, feio, cercado com estas grades... Levantado, perdeu contato com a terra."

De minha parte, concordo plenamente com o sobrinho-neto de Barrie. Simplesmente porque essa atitude é descabida, revela o desconhecimento pleno da administração dos jardins a respeito da história de Peter Pan, apaga significados, intenções, motivações. Apaga a história.

Aliás, é isso que toda e qualquer releitura faz. Em nome da "modernidade", faz-se muita besteira. 

Queria poder compreender por que as pessoas têm necessidade de alterar radicalmente o que outras pessoas fizeram, por que as pessoas insistem em querer "adaptar" o passado aos dias de hoje...

Eis a proposta da administração do Kensington Gardens:


Observem a imagem acima: o monumento está completamente exposto, tornou-se algo destituído de qualquer magia e mistério. David Barrie explica muito melhor do que eu:

"Parece ter sido movido vários metros de seu local original, ele disse:" Nos velhos tempos, você chegava a uma esquina, e de repente você era confrontado com esta escultura não muito grande que foi escondida em meio a arbustos em torno dos três lados. Foi muito charmoso. Isso foi exatamente o que ele pretendia. Não foi para ser um grande gesto público...
“Era para ser algo um pouco engraçado, sutil, discreto e caprichoso. Em vez disso, eles agora roubaram todas essas qualidades."

Realmente uma pena. 

Em sua defesa, a administração do parque diz:

Andrew Williams, gerente do Parque Kensington Gardens, disse: “O pedestal existente sob a estátua era difícil de manter e não fornecia acesso total à estátua. Nós nos reunimos com os principais grupos residentes locais em torno do Hyde Park e Kensington Gardens, na fase de planejamento, para discutir melhorias propostas para a área. O novo projeto de paisagismo proporcionará melhor acessibilidade para que todos possam apreciar a estátua, e estamos plantando flores silvestres na área para melhorar o meio ambiente ”.  

 “o trabalho de paisagismo irá [evocar] a 'mágica' de Peter Pan [e] melhorar a acessibilidade à estátua”.

Uma total e absoluta falta de noção e de conhecimento...
Ele diz que se reuniram com os "principais grupos locais"... Só esqueceram de consultar os membros remanescentes da família de Barrie...

E as grades? Se tem uma coisa que não combina nadinha com Peter Pan e com seu criador, são as grades!
E aí me veio na mente, instantaneamente, a narrativa do livro "Peter Pan in Kensington Gardens", quando ele tenta voltar para sua mãe e encontra a janela fechada e protegida por grades de ferro...

Irônico, não?
Irônico e triste...
Eu ia pedir a Deus que um dia me concedesse a bênção da oportunidade para contemplar pessoalmente a estátua de Peter Pan. Mas até perdi a vontade.

------------------

Até o próximo post!
Beijo
Ju

-----------------------------------

Notas:

(1) Conforme o romance "The Little White Bird", publicado em 1902. Sobre o Dia de Maio, veja: 

(2) http://historiayculturab2010.blogspot.com/2010/04/peter-pan-statue-in-kensington-gardens.html


No link citado acima você pode ler descrições mais detalhadas dos elementos que compõem a estátua.








quinta-feira, 18 de abril de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan (o meu Peter Pan)



Olá!

E chegou o momento de compartilhar com vocês a minha versão do Peter Pan, em formato de boneco de pano. Ufa, finalmente, você deve estar dizendo a si mesma, rsrsrsrs. Mas como dizia o sábio rei Salomão: tudo tem seu tempo determinado...

Peter Pan é muito mais que um personagem de uma peça teatral ou de um livro: ele é uma amálgama de todas as pessoas que fizeram parte da vida de James Matthew Barrie, incluindo ele mesmo. Por isso não é possível compreender a essência de Peter Pan sem conhecer o contexto de sua criação. Mas não se engane: mesmo assim, ele não se deixa decifrar plenamente, assim como o seu criador. 

Minha pesquisa tem sido uma gratificante e surpreendente viagem ao passado. As informações que encontrei - e continuo encontrando - estão muito além das minhas expectativas iniciais e pude compreender tudo que há por trás da lenda e tudo que não faz parte de Peter Pan. Quebrou paradigmas e concepções que, infelizmente, predominam na indústria do cinema, no teatro, nas publicações, no universo dos ilustradores e em toda a parafernália que a indústria de brinquedos vem produzindo há décadas.

A mídia, o marketing, os interesses econômicos, contribuem para desconstruir o personagem, distorcer a história e favorecer o esquecimento de sua origem e, até mesmo, de quem foi seu criador. Somente quando se busca as informações é que descobrimos o quanto perdemos quando nos deixamos levar pela superficialidade do que nos é dito e mostrado. E isso não acontece apenas com Peter Pan.

Tive a ideia de contar a história aqui no blog, da forma mais resumida possível, até chegar no romance Peter and Wendy publicado em 1911 quando, então, eu poderia mostrar minha versão do personagem, pois só assim teria um sentido pleno para mim. Peter and Wendy é a versão definitiva e foi neste livro que encontrei os elementos de que precisava para, finalmente, construir o meu Peter Pan do jeito que eu pretendia.

Queria uma versão livre das influências de todas as concepções equivocadas que surgiram a respeito da aparência do personagem, especialmente após 1953. Uma versão plena de sentido para mim depois de tudo o que li e aprendi e continuo a ler e aprender.

Queria uma versão original, única e consegui.

O resultado final mescla elementos presentes em "The Little White Bird", o livro de 1902, quando Peter Pan aparece pela primeira vez e elementos presentes em "Peter and Wendy".

Os elementos do primeiro livro estão presentes na minha versão de modo subjetivo, metafórico, digamos assim. Os elementos do segundo livro são mais concretos e evidentes à primeira vista.

Naturalmente, incluí elementos do meu próprio imaginário, isto é, elementos que para mim fazem sentido no contexto todo, a partir do que pude captar e expandir dentro de uma lógica simples.

E eis meu menino, andando na "floresta" com seus cabelos ao vento...

Os cabelos

J.M. Barrie nunca mencionou a cor dos cabelos de Peter Pan, mas era escocês e é comum os escoceses serem ruivos ou castanho-avermelhados. Bingo! Escolhi essa cor para dar ao visual do meu Peter Pan um sentido de "raiz" étnica, mesmo que os garotinhos da família Llewelyn Davies não tenham nascido com essa cor de cabelo.
Como fazer os cabelos do Peter Pan foi um dos desafios deste projeto. Finalmente, a conclusão mais lógica: cabelos "ao vento", que remetem aos vôos de Peter Pan e à sua vida ao ar livre.


A roupa de Peter Pan

No romance de 1902, que apresenta Peter Pan bebê, o personagem surge vestido com sua camisola de dormir, mas em pouco tempo passou a viver nu. O que sobrara de sua camisola foi utilizado para servir de vela de navegação no seu ninho feito pelos pássaros Tentilhões. Você pode rever aqui

No teatro, em 1904, Peter Pan recebeu um figurino apresentado em duas versões, que você pode ver na Parte 8 da história e, finalmente, no romance de 1911, Peter Pan está vestido com uma roupa feita de folhas esqueletizadas (skeleton leaves), claramente descrita no livro e mostrada nas ilustrações de Francis Donkin Bedford. A roupa foi feita pelas fadas, que estavam habituadas a trabalhar com esse material:
Fadas confeccionando uma cortina de Verão com folhas esqueletizadas
Ilustração de Arthur Rackham, 1906
"Peter Pan in Kensington Gardens"

A roupa de Peter Pan, no romance de 1911
Ilustração no Capítulo 1 - Edição da Zahar

Ilustração no Capítulo 8 - Edição da Zahar

Trecho do Capítulo 1 - Edição da Zahar, página 42

Bem, vocês podem imaginar o que aconteceu, certo? Sim, lá fui eu atrás de saber o que são folhas esqueletizadas!
Não só descobri o que são como também fui apresentada a uma arte muito antiga, incrível e sofisticada e, melhor ainda: pertinho de Holambra há quem produza folhas esqueletizadas artesanalmente, com alto grau de cuidado e qualidade, reproduzindo o processo que a natureza faz todos os dias a partir do momento em que as folhas caem das árvores.

Vejam, que lindas!
 


 Em outra oportunidade farei um post sobre essas folhas.

Imaginem uma pessoa com um sorriso de orelha a orelha quando se deu conta de que poderia reproduzir a roupa descrita no romance de 1911. Isso mesmo, euzinha aqui, que durante dias ri sozinha e me beliscava para ter certeza de que era verdade, kkkk

As folhinhas que utilizei para a roupa do meu Peter Pan medem entre 2 a 5 cm. Delicadas e ao mesmo tempo, muito resistentes





A roupa que fiz para Peter Pan remete, de certa forma, à natureza e à alma do personagem descritas no romance de 1902. Neste livro, Peter Pan é descrito como meio humano e meio pássaro. Quando ficou pronta e colocada nele, não pude evitar a associação imediata da aparência das folhas com as penas dos pássaros.

Algumas folhinhas foram parar nos cabelos do meu menino que, no romance de 1911, não usa chapéu.

A flauta...
No romance de 1902 Peter Pan construiu uma flauta de tubos utilizando juncos. Não é mera coincidência: trata-se da flauta de Pã, o deus grego dos bosques e das montanhas e outras coisas também. A flauta de Pã também foi feita de juncos, segundo reza a lenda da mitologia grega. Há uma estreita relação - e nem um pouco aleatória - entre o nome Pan de Peter Pan e o deus  da mitologia. Mas este é um outro assunto...

No romance de 1911 e na estátua que foi erguida em 1912 no Kensington Gardens, o formato da flauta é outro, mas optei por manter este.


Peter Pan não calça sapatos nem nada parecido no romance de 1911, então acrescentei um detalhe nos pezinhos dele: deixei sujinhos de terra...


A espada...
Assim como toca flauta, diverte as fadas e todos os habitantes da Terra do Nunca com sua alegria, Peter Pan, apesar da pouca idade que tem, também é capaz de portar uma arma e fazer uso dela em diversas situações. No romance de 1911 Peter usa uma espada. Mantive os dois elementos - flauta e espada - para enfatizar essa característica fundamental do personagem, mas optei por uma espada curta, mais proporcional ao tamanho do meu Peter Pan. Ele mede 40 cm de altura.



Peter vigiando (rsrsrs) a casinha construída para Wendy e segurando sua espada
Ilustração no Capítulo 6 - Edição da Zahar

Outras duas ilustrações em que o personagem está com sua espada
Ilustração do Capítulo 13 - Edição da Zahar

Ilustração do Capítulo 15 - Edição da Zahar

E aqui ele continua seu passeio entre árvores, pedras, musgos e folhas secas...

 

 


A expressão facial 






Propositalmente, a expressão facial do meu Peter Pan não é alegre, porque J.M.Barrie raramente sorria; porque Peter Pan é fruto de uma história pontuada por eventos trágicos desde que o autor tinha 6 anos de idade; porque a eterna criança é a representação da percepção consciente de J.M.Barrie de que ele nunca seria um homem pleno e isso o atormentava; porque Peter Pan não foi criado para ser um herói, e sim o vilão da história.

A ideia inicial do autor mudou logo após a estréia da peça de teatro: o Capitão Gancho foi incorporado posteriormente no papel de "vilão", mas originalmente ele foi criado para, apenas, aparecer entre uma troca de cenário e outra (que eram demoradas), e o público precisava ser entretido enquanto o processo acontecia.

É um personagem polêmico e quase desisti dele, mas segui em frente, à medida que ia compreendendo todas as razões...

E o nome?

Peter é homônimo do menino Peter Llewelyn Davies e Pan, como já mencionei mais acima, vem do personagem da mitologia grega Pã, deus dos bosques e montanhas, entre outras coisas. Pã também está associado à um modo de vida bastante distinto dos padrões convencionais - particularmente os padrões da época em que Barrie viveu - e a associação deliberada que Barrie fez explica muita coisa a respeito do personagem.

Por fim, não poderia faltar o registro de um elemento essencial em Peter Pan: a sombra


E é isso. Projeto concluído após quase dois meses de trabalho e estou muito, muito feliz!

Mas a história não acaba aqui, rsrsrs.
Ainda continuo a escrever e a sequência da série Seguindo as pegadas de Peter Pan continuará até o ano da morte do seu criador.

Até o próximo post!
Beijo
Ju





terça-feira, 16 de abril de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan (rumo ao romance de 1911)



Olá!

Barrie já era um dramaturgo famoso na época em que a peça "Peter Pan, ou o menino que não cresceria", estreou em Londres no ano de 1904, mas o enorme sucesso que obteve com ela, segundo Jack Zipes, o tornou "extraordinariamente rico e famoso". Entretanto, ainda segundo Zipes, "a fama e o dinheiro nunca lhe subiram à cabeça; ele vivia para seus projetos." 

E um desses projetos continuava sendo Peter Pan que, após o grande sucesso no teatro, retornaria para as páginas de um livro, desta vez protagonizando uma história mais robusta, a versão em prosa definitiva. E uma espécie de "tributo" à Sylvia Llewelyn Davies... uma espécie de epílogo...

Mas chegar a 1911 não foi um percurso fácil para Barrie e nem para a família Davies.

Em 1904, ano em que a peça estreou, Arthur Davies se mudou com a família para fora de Londres após adquirir "Egerton House", uma mansão elizabetana localizada em Berkhamsted (Hertfordshire).


Imagem de 1936

Os capítulos de "O Pequeno Pássaro Branco" referentes a Peter Pan foram republicados em 1906 como "Peter Pan em Kensington Gardens". Barrie entregou um exemplar a Arthur Davies com a dedicatória: 


 "Para Sylvia e Arthur Llewelyn Davies e seus meninos (meus meninos) ". (Veja nota 1)


 No mesmo ano Arthur foi diagnosticado com sarcoma maligno de mandíbula, um câncer devastador que o deixou seriamente mutilado: duas cirurgias removeram boa parte de sua mandíbula superior, palato e maçãs do rosto, deixando-o incapaz de falar. (Veja nota 2)


Barrie arcou com as despesas médicas e tornou-se presença constante ao lado de Arthur até o fim dos seus dias. Consta que, em uma carta para seu filho Peter, Arthur teria descrito Barrie como "um amigo muito bom para todos nós".  (Veja nota 3)


Após a morte do marido, Sylvia retorna para Londres com os cinco filhos, mas as tragédias não param por aí.

Barrie já havia perdido os pais e outros membros da sua família; sua esposa, Mary Ansell, tinha um amante, fato que Barrie desconhecia até então e que acabaria sendo motivo do divórcio em 1909. (Veja nota 4) 

No Verão do mesmo ano, Sylvia Llewelyn Davies foi diagnosticada com câncer de pulmão, vindo a falecer em agosto de 1910. 

As perdas sucessivas, somadas ao brusco término do seu casamento, abalaram a capacidade produtiva de Barrie e, segundo Jack Zipes, não foi "capaz de escrever grandes peças depois disso."

Órfãos, os meninos passaram a ser tutorados por membros da família e por Barrie. Essa questão é envolta em controvérsias: o testamento de Sylvia é vago, segundo Jack Zipes; por outro lado, há quem afirme que Barrie teria deliberadamente alterado os termos em seu favor no momento da transcrição; há quem afirme que a alteração ocorreu, mas não teria sido deliberada e sim acidental, por questões de grafia.  Enfim, não é meu objetivo aqui discutir essa questão. O fato é que Barrie tomou para si, mais do que qualquer outra pessoa, a responsabilidade sobre os meninos, "os meus meninos", como ele dizia. (Veja nota 5)

Mandou-os para estudar no prestigiado Eton, exceto John/Jack, que havia se alistado à Marinha Real Inglesa pouco antes da morte de sua mãe. (Veja nota 6)



Barrie garantiu a boa educação dos meninos, proporcionou diversão e viagens de férias, deu-lhes uma vida confortável e segura até que pudessem tornar-se independentes. Barrie dedicou-se a eles como um verdadeiro pai e, provavelmente, foi o que salvou sua própria vida, mas toda a sua dedicação não seria suficiente para evitar outras tragédias que estavam por vir e que deixariam profundas marcas em Barrie e no restante da família Llewelyn Davies.

Foi nesse contexto meio caótico que Barrie concluiu o romance "Peter and Wendy", publicado pela primeira vez em 1911:


Neste livro está a adaptação para romance da peça teatral de 1904. A edição foi lindamente ilustrada por Francis Donkin Bedford (1864 - 1954). (Veja nota 7)


Frontispício do livro

De acordo com Jack Zipes:

(...) "O romance 'definitivo' é a mais complicada e sofisticada de todas as versões de Peter Pan, e embora possa dirigir-se em parte aos leitores jovens, é claramente um testamento para Sylvia, escrito antes de tudo para adultos. Não se trata de ficção para crianças. As alusões cômicas cifradas, os apartes, os gracejos e as intrusões que ocorrem numa piscadela de olhos são numerosas demais para que uma criança possa perceber tudo o que ocorre ao longo do romance."(...)

E nem os adultos...

(...) "Não que os leitores adultos possam compreender por completo o significado de Peter Pan e da Terra do Nunca, mas fica claro que o narrador do romance conta sua história para adultos e, dado o conhecimento íntimo dele sobre as crianças e o mundo delas - algo que ostenta para seus leitores -, assume a missão de explicar as crianças para os adultos." (Veja nota 8)

Esse é o romance final, cujo texto integral poucas pessoas leram. Caso queira ler, há duas muito boas opções com traduções primorosas: a edição da Zahar (da série Clássicos da Zahar), que é comentada e ilustrada com reproduções das ilustrações originais da edição de 1911 (é a edição que eu tenho) e a edição da Cosac Nayfi. 

Foi nesse romance, resultado de todo um processo criativo plenamente influenciado por vidas reais ao longo de 45 anos, que eu me inspirei para criar a minha versão do personagem Peter Pan em forma de boneco de pano.

Até o próximo post!
Beijo
Ju




--------------
Notas:

(1) Consta que Arthur teria ficado ressentido com a observação entre parênteses na dedicatória. Cf. Chaney, Lisa. Hide-and-Seek with Angels - Uma Vida de JM Barrie , 2005. Citado em www.mewstatesman.co/node/162450

(2) Não posso deixar de notar o seguinte: Arthur suportou calado a presença de Barrie na sua família desde 1897, quando conheceu 3 dos filhos dele durante um de seus habituais passeios no Kensington Gardens: George, John e o recém-nascido Peter. Desde então, como já mencionei em outro post, Barrie tornou-se presença constante, quase obsessiva entre os Davies. Arthur, por amor à esposa e ciente de que ela gostava muito de Barrie e das diversões que ele proporcionava aos seus filhos, decidiu não interferir. Calou-se. Curiosamente, foi um câncer de mandíbula que tirou sua vida após muito sofrimento. 

(3) Cf. Birkin, Andrew. " JM Barrie and The Lost Boys", 1979. Citado em: https://en.wikipedia.org/wiki/Arthur_Llewelyn_Davies
Arthur Llewelyn Davies faleceu aos 44 anos de idade, em 19 de Abril de 1907. 

(4) Segundo diversas fontes encontradas no Wikipedia britânico, Barrie conheceu a atriz Mary Ansell em 1891 através de seu amigo Jerome K., a quem havia pedido que encontrasse uma linda atriz para desempenhar um dos papéis em sua peça Walker in London . Os dois se tornaram amigos a ponto de Mary se dispor a ajudar a família de Barrie a cuidar dele enquanto esteve doente entre 1893 e 1894. Eles se casaram em Kirriemuir, Escócia, cidade natal de Barrie, em 9 de julho de 1894, numa cerimônia simples realizada na casa dos pais, seguindo a tradição escocesa. Após o casamento, Mary abandonou os palcos . 

Todas as fontes que consultei  são unânimes em afirmar que o casamento de Barrie e Mary Ansell nunca foi consumado, motivo pelo qual nunca tiveram filhos, embora Mary desejasse muito isso. Diversas fontes indicam que Barrie era um indivíduo assexuado; outras, que sofria de disfunção erétil. Em ambos os casos, incapaz fisicamente de se relacionar intimamente. Amigos do casal acreditavam que se tratava de um casamento feliz, tanto que a notícia de que Barrie havia entrado com uma ação de divórcio contra sua esposa causou espanto em muita gente. Mas a realidade era bem distinta. 

Desde meados de 1908 Mary mantinha uma relação extraconjugal com Gilbert Cannan, um associado de Barrie e frequentador da casa da família, 20 anos mais jovem que ela. Quando Barrie soube do caso em julho de 1909, tentou convencê-la a terminar o romance, sem sucesso. Queria evitar o escândalo do divórcio e tentou convencê-la a uma separação legal, desde que ela não visse mais o amante. Também sem sucesso, então Barrie entrou com a ação de divórcio alegando infidelidade. Apesar dos esforços , os amigos de Barrie não conseguiram evitar a publicação do caso na imprensa. Barrie continuou a apoiar Mary financeiramente, mesmo depois que ela se casou com Cannan, dando-lhe uma mesada anual, que foi entregue em um jantar privado realizado no aniversário de casamento de Barrie. E Mary também beneficiada por Barrie após sua morte em 1937, deixando a ela, em testamento, significativos recursos.

(5) A esta altura, os meninos Davies: George, John, Peter, Michael e Nicholas estavam, respectivamente, com 17, 16, 13, 10 e 7 anos de idade.

(6) Sobre o Eton College: 

(7) Sobre FD Bedford:

(8) Todas as falas de Jack Zipes transcritas neste post, incluindo esta última, estão no posfácio inédito escrito por ele na edição da Cosac Naify, "Peter e Wendy: J.M.Barrie", 2012.


segunda-feira, 15 de abril de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan (as luzes da ribalta)




Olá!

Chegamos a 1904 e na noite do dia 27 de Dezembro daquele ano os londrinos foram surpreendidos com algo totalmente inédito no palco do Duke of York's Theatre, até então.

J.M.Barrie continuava trabalhando no seu personagem Peter Pan, mesmo depois do livro "The Little White Bird", publicado em 1902 e mesmo depois do excerto publicado em 1906, "Peter Pan in Kensington Gardens". Na verdade, enquanto Barrie conviveu com a família Llewelyn Davies nunca deixou de continuar construindo o personagem. Ele era o retrato vivo de suas existências. 
Então o personagem foi transportado para o teatro, outra grande paixão de Barrie.

O personagem "salta" das páginas dos livros e ressurge como um menino bem mais crescido, protagonista de peça intitulada "Peter Pan, or the boy who would not grow up". (Veja nota 1)

Programa original da peça de 1904
Teatro Duke of York's
27 de Dezembro de 1904

Atores:
Nina Boucicault, como Peter Pan
Hilda Trevelyan, como Wendy
Dorothea Baird, como a Sra. Darling
Gerald du Maurier, como o Sr. Darling e também como o Capitão Gancho
Pauline Chase, como Sininho
George Herser, como o John Napoleon Darling
Winifred Geoghegan, como Michel Nicholas Darling
Arthur Lupino, como Nana


Nina Boucicault
1867-1950

Nina, como Peter Pan 

Hilda Trevelyan
1877-1959

Hilda, como Wendy

Uma das cenas da peça: luta com o Capitão Gancho

O sucesso foi estrondoso.

"Quando Peter Pan subiu ao palco, foi algo emocionante e totalmente novo. Com o vôo, fadas e piratas, rapidamente se tornou uma parte popular da tradição de Natal em Londres e Nova York e, eventualmente, se espalhou pelo mundo." (Veja nota 2)

Nina Boucicault escreveu um livro sobre a época em que ela era Peter Pan e no qual diz: "Eu me lembro de estar muito ansiosa com a cena: 'Suponha que eles não aplaudam?' Eu perguntei. "O que faço, então?'" 

Mas (...) "o público, cheio de adultos, aplaudiu freneticamente, levando Nina às lágrimas."

"Mas bata palmas! Eu acho que todos na casa acreditavam em fadas. E tenho certeza de que a peça os pegou de surpresa... a peça foi tão completamente diferente de qualquer outra peça que a platéia, imagino, foi arrancada de seus pés". (Veja nota 3)

A noite de abertura de 27 de Dezembro de 1904 não apresentou um produto final, muito pelo contrário: somente na quarta noite é que a última cena da peça ficou totalmente pronta.

Na verdade, o roteiro continuou sendo revisado ao longo dos anos seguintes e o texto definitivo da peça só seria concluído por Barrie em 1928. 

Em 1905 a peça estreia nos Estados Unidos, no teatro da Broadway e a bela atriz Maude Adams foi escolhida para interpretar Peter Pan. Maude atuou como Peter Pan nos anos 1905-1907, 1912-1913 e  1915-1916:

Maude Adams
1872-1953

Maude, como Peter Pan em 1905


"Peter e Wendy" (Maude Adams e Mildred Morris)

Peter Pan foi interpretado por mulheres ao longo de muitos anos nos vários palcos do mundo.
Muita gente desinformada tem questionado isso e vocês não imaginam a quantidade de bobagens que surge como resposta...  Tais bobagens se explicam principalmente pela falta de informação. 

A resposta é muito, muito simples: além de ser uma tradição, ainda no início do século XX, que personagens jovens de peças teatrais fossem interpretados por jovens atrizes, havia uma questão legal e uma questão logística envolvidas. 

A questão legal é que no ano em que a peça estreou, 1904, a legislação inglesa proibia atores menores de 14 anos de atuarem nos palcos após as 21 horas, mas isso até talvez pudesse ser contornado se não houvesse um problema logístico que envolveria alterações em outros personagens, pois

"se Peter fosse interpretado por um adolescente, então o resto do elenco precisaria ser “reduzido” [na questão idade], significando que personagens como The Lost Boys precisariam ser substituídos por meninos ainda mais jovens, e Wendy por uma garota ao invés de uma mulher, e inevitavelmente estaríamos lidando com crianças com menos de 14 anos. Lançar um homem adulto na parte parecia um pouco assustador, mas também teria sido um esforço no caso já desafiador de fazer Peter Pan voar usando magia de palco e corda. Assim, o dramaturgo James M. Barrie solicitou que eles escalassem uma mulher. [e] Esta não era uma prática incomum naqueles tempos." (Veja nota 4)

E isto, obviamente, agravaria o problema da restrição legal existente.
  
Atrizes que interpretaram Peter Pan ao longo do tempo em Londres e na Broadway:

Cecília Loftus 
(Londres, 1905-1906)

Consta que essa atriz introduziu característica infantis e a natureza de "elfo" na sua interpretação do personagem, o que foi continuado pela próxima atriz.

Pauline Chase 
(Londres, 1906-1913)

Consta que Pauline Pauline "era uma das favoritas de JM Barrie, o que garantiu que ela nunca "crescesse" do papel que as atrizes tinham antes dela. Barrie escreveu:
 'Existem apenas duas maneiras possíveis de interpretar Peter. Ou ele deve ser a criatura fada caprichosa que Nina Boucicault fez para ele ou ele deve ser o moleque adorável de Pauline Chase. Não há outro caminho.' "

Marilyn Miller
(Broadway, 1924-1925)

Eva Le Gallienne
(Broadway, 1928)

 Jean Arthur
(Broadway, 1950-1951)

Veronika Lake
(Tour Nacional, 1951)

Mary Martin
(Broadway, 1954)

Consta que a atuação de Mary foi apontada como tendo sidotão crível e contagiante quanto o eterno garoto que parece incrível que Barrie não tenha escrito a peça original para ela”.

Hayley Mills
(Londres, 1969)


Sandy Duncan
(Broadway, 1979-1981)

Cathy Rigby
(Tour, 1973/ Costa Oeste, 1986/Broadway, 1990-1999/ Farewell Tour, 2005/ International Tour, 2011-2013)

Assim, tanto as encenações da peça em Londres, quanto os musicais da Broadway, mantiveram ao longo do tempo a tradição desde a estreia em 1904, ao escalar atrizes para interpretar Peter Pan. O Brasil, no entanto, como é um país sem tradições, não compreende o valor delas e, por isso, não respeita a tradição alheia, levou aos palcos em 2018 uma encenação de Peter Pan onde o personagem é, pela primeira vez, interpretado por um ator...

Mateus Ribeiro
(São Paulo, 2018)
Foto de Leo Aversa

Tradições à parte, o fato é que, segundo um dos seus biógrafos, Andrew Birkin, o próprio Barrie sempre desejou que Peter Pan fosse interpretado por um menino de verdade. Chegou a conversar com Charlie Chaplin e quase o convenceu a dirigir e protagonizar  uma versão da história. (Veja nota 5)


Teria sido incrível, não?


A peça de J.M.Barrie trouxe a ele mais prestígio, renome e riqueza. Continuou a escrevê-la até 1928, quando o texto definitivo foi publicado:


Mas antes disso, Barrie publica o romance "Peter & Wendy"



E este será o tema do próximo post!
Até lá!

Beijo
Ju





--------------
Notas:

(1) Cf. https://rivetedlit.com/2016/08/23/peter-pan-origin/

(2) "Peter Pan, ou o menino que nunca cresceria".

(3) A atriz se refere à cena em que Peter Pan pede ao público que bata palmas para trazer Tinker Bell de volta à vida. (Cf. https://secondtotherightblog.wordpress.com/2015/10/08/peter-pan-a-history-first-production/)

(4) Cf. https://www.autostraddle.com/15-ladies-who-played-peter-pan-from-nina-boucicault-to-alison-williams-253416/


(5) Charles Spencer Chaplin (1889-1977), foi ator, diretor, produtor, humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico britânico. Chaplin foi um dos atores da era do cinema mudo, notabilizado pelo uso de mímica e da comédia pastelão. Na época da peça Peter Pan, Chaplin tinha 15 anos de idade, mas já estava amadurecido pela dureza da vida. Pobreza, ausência do pai e a mãe lutando para sobreviver. Antes dos 9 anos de idade já havia sido enviado para trabalhar em casas de família duas vezes. Aos 15 anos de idade, assistiu a mãe ser internada num asilo para doentes mentais. Aos 19 anos de idade mudou-se para os Estados Unidos. Leia mais sobre a incrível história de vida desse homem genial.