quarta-feira, 1 de maio de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan (Quando a morte molda a vida...)



Olá!

Na peça de teatro "Peter Pan, ou o menino que não cresceria" que estreou em Londres em 1904, numa das falas de Peter há uma frase que se tornou célebre e foi incluída no romance de 1911:

"Morrer será uma grande aventura". 

A frase foi originalmente dita por George Llewelyn Davies, o mais velho dos meninos Davies, numa das ocasiões em que Barrie contava aos garotos as histórias em que Peter Pan levava para a Terra do Nunca os bebês que morriam. Foi uma das frases que Barrie registrou em seus tradicionais cadernos de anotações.

Embora tenha se tornado "uma das linhas mais memoráveis de Peter Pan", segundo Andrew Birkin, um dos biógrafos de Barrie, ela teve de ser retirada da peça em 1914, quando as notícias de jovens morrendo nos campos de batalha da recém iniciada Primeira Guerra Mundial (1914-1919) começaram a chegar a Londres.

A morte é um fato da vida, todos sabemos, porém, no caso de Barrie não é exagero dizer que a morte "moldou" a vida dele de um modo particular que chama a atenção e é mencionado em diversas fontes que consultei.
Desde os 6 anos de idade, quando seu irmão David (o favorito da família) perdeu a vida tragicamente num acidente de patinação em 1867, Barrie foi acumulando perdas que marcaram profundamente sua passagem pela vida e seus escritos. (Veja nota 1)

  Em 1895 outra irmã de Barrie, Jane Ann, faleceu aos 48 anos de idade. Jane Ann dedicou a vida a cuidar da mãe que viva mergulhada em depressão; em 1897 Margaret Ogilvy Barrie, a mãe, faleceu; em 1902 Barrie perde o pai David Barrie; no mesmo ano, outra irmã, Isabella Ogilvy Barrie; em 1903, mais uma irmã, Sarah Mitchell Barrie. (Veja nota 2)

Em 1906, Barrie amargaria a morte de seu agente, Arthur Addison Bright. Bright cometeu suicídio após a descoberta de que havia se apropriado indevidamente de 28.000,00 Libras pertencentes a Barrie.

Em 1913 Barrie foi condecorado com o título de Baronete, passando a se chamar Sir James Barrie e àquela altura, dos 12 membros que compunham sua família imediata, restavam somente três vivos além dele mesmo: seu querido irmão Alexander (Alec) Ogilvy Barrie, Mary Ann Galloway e Margareth Henderson.

Na família que Barrie havia adotado como sua, os Llewelyn Davies, sofreu enormemente a perda de
 Arthur, em 1907 e mais ainda a de Sylvia, em 1910, os pais dos meninos que inspiraram Peter Pan dos quais Barrie tornou-se um dos tutores em 1911.

Em 1914 Barrie sofreu outro golpe: seu irmão querido,  Alexander (Alec) Ogilvy Barrie falece aos 72 anos de idade. Alec teve um papel muito importante na juventude de Barrie, responsável por sua educação até sua mudança definitiva para Londres.

Em 1915, George Llewelyn Davies, o mais velho dos meninos Davies, perdeu a vida no campo de batalha em Flandres, na Bélgica, após ser atingido por um tiro na cabeça durante a noite. Ele e o irmão Peter haviam se voluntariado para combater no front quando o Reino Unido entrou na Primeira Guerra Mundial. Tinha apenas 21 anos de idade.

George foi o primeiro menino que Barrie conheceu em Kensington Gardens em 1897, juntamente com seus irmãos John e Peter.

Aqui, ilustração de Arthur Rackham (1906)
George inspirou o personagem David, em Peter Pan in Kensington Gardens
Via

George, em 1906, com seu coelho "Mr"

George em 1912, aos 18 anos de idade
Último ano no Eton College

George em 1914, numa produção teatral do
Amateur Dramatic Club

George em Julho de 1914

O personagem George Darling, pai de Wendy, Michael e John no romance Peter & Wendy
 teve seu nome inspirado por George. A morte dele abalou profundamente James Matthew Barrie e o único consolo do autor foi saber que o jovem George, a julgar pelo conteúdo de uma carta que Barrie escreveu para seu amigo Charles Turley Smith, morreu sem sofrimento:

"Apenas uma palavra para dizer que George foi morto instantaneamente. Foi um ataque noturno. Recebi uma carta dele dois dias depois de saber que ele estava morto. (...) Eu sinto dolorosamente por Peter, entre quem e George houve uma devoção que talvez não seja muito comum entre irmãos." (Veja nota 3)

Ainda em 1915, Charles Frohman, o produtor da peça Peter Pan, estava a caminho de Londres para um encontro com Barrie, mas perdeu a vida à bordo do luxuoso transatlântico Lusitania, que foi torpedeado por submarinos alemães e naufragou, matando 1150 pessoas.

O Lusitania, durante o naufrágio
Arquivo Federal Alemão, ID: DVM 10 Bild-23-61-17

Seis anos depois, em 1921, outra tragédia se abateu na vida de Sir James Barrie: Michael Llewelyn Davies, o preferido de Barrie, o menino que definitivamente inspirou Peter Pan e com o qual o escritor estabeleceu fortes laços ao longo da vida e nutria grandes expectativas profissionais futuras, afogou-se no Sandford Lasher, um trecho do rio Tâmisa localizado a poucos quilômetros de Oxford.

Michael tinha 20 anos de idade e na ocasião do afogamento estava com seu amigo, Rupert Buxton, que também morreu. 

Relatório do jornal sobre o afogamento dos jovens
Via

Segundo o biógrafo de Barrie, Andrew Birkin, e um artigo do "Oxford Chronicle" referente ao inquérito do médico legista,

"A água tinha de 20 a 30 pés (6 a 9 m) de profundidade, mas calma. Buxton era um bom nadador, mas Davies tinha medo de água e não sabia nadar com eficiência. Uma testemunha no inquérito do legista relatou que um homem estava nadando para se juntar ao outro, que estava sentado em uma pedra no açude, mas experimentou "dificuldades" e o outro mergulhou para alcançá-lo. No entanto, a testemunha também relatou, quando ele viu suas cabeças juntas na água, elas não pareciam estar lutando. Seus corpos foram recuperados "juntos" no dia seguinte (às vezes, erroneamente relatados como "amarrados juntos"). A conclusão do legista foi que Davies se afogou acidentalmente, e Buxton se afogou tentando salvá-lo." (Veja nota 4)

Michael e sua mãe, Sylvia em 1905
Fotografados por James Barrie
Via


Michael em 1906 (6 anos de idade)
Fotografado por James Barrie
Via

Michael, usando trajes de Peter Pan numa das poses para
a futura estátua que seria colocada no Kensington Gardens em 1912
Via

JM Barrie como Hook e Michael como Peter Pan, no
gramado de Rustington, em 1906


Michael, aos 17 anos
Via

 Segundo Jack Zipes, a morte de Michael,

"foi especialmente devastadora para Sir James Barrie. (...) Perdeu a alegria de escrever para o palco, pois nunca se conformou com a morte de Michael. (...) Os poderes criativos de Barrie tinham chegado ao fim."

Mas nem tudo estava totalmente perdido. Alguns anos antes, em 1917, Barrie havia conhecido Lady Cynthia Asquith e este será o assunto do próximo post.

Até lá!
Beijo
Ju


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Notas:
(1) Antes do nascimento de James Matthew Barrie em 1860, duas de suas irmãs já haviam falecido, ambas no ano de 1851: Elizabeth How Barrie (aos 2 anos de idade) e Agnes Matthew Barrie (com 1 ano de idade). 
(2) Todos os dados referentes à família imediata de Barrie foram obtidos no excelente site genealógicohttps://www.geni.com, com exceção de Margareth Henderson, da qual não encontrei nenhuma informação.
(3) http://www.jmbarrie.co.uk/view/3384
(4) https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Llewelyn_Davies