quinta-feira, 14 de março de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan... (Peter Pan não foi criado por Walt Disney)




Olá!

Neste post começo a falar sobre o autor/criador do personagem Peter Pan, infelizmente desconhecido por grande parte do público leitor leigo e mesmo do público leitor especializado, salvo raras exceções neste último grupo, especialmente no Brasil. Não porque ele não tenha sido importante, ao contrário: foi um homem que construiu uma brilhante carreira no meio literário e também na dramaturgia europeia, mais especificamente no Reino Unido, com grande repercussão em outros países da Europa. Esse desconhecimento acentuou-se especialmente a partir da década de 1950 e especialmente na América Latina. 

No Brasil, especificamente, um dos motivos foi a falta de traduções para a Língua Portuguesa dos textos sobre Peter Pan que foram publicados pelo autor a partir de 1902.  
Não quero com isso dizer que, no Brasil da primeira metade do século XX, ninguém tenha lido na Língua Inglesa, obviamente. É possível que sim, mas caso isso tenha ocorrido por parte do público leitor leigo, permaneceu sem grandes repercussões e seu impacto e significados perderam-se ao longo do tempo.

Sabe-se, no entanto, que no meio literário brasileiro da primeira metade do século XX Peter Pan era conhecido. Em 1930 Monteiro Lobato "apresentou" ao público infantil brasileiro a sua versão do personagem e arrisco dizer que muita gente acredita que Peter Pan foi criado por Monteiro Lobato. 

Veja só o que diz o Wikipedia:

"Peter Pan é um livro infantil escrito por Monteiro Lobato e publicado em novembro de 1930."

Mas isso foi só o começo do processo de "apagamento" não apenas da verdadeira autoria do personagem, mas também - e pior - , do processo de descaracterização que o personagem viria a sofrer ao longo do tempo, graças ao bel prazer de diretores de cinema e de escritores de obras destinadas ao público infantil mundo afora e especialmente na América Latina. 

Essa descaracterização não se limita à aparência física de Peter Pan. Antes fosse, até porque seu autor/criador não o descreve com precisão, apenas nos dá pistas e indícios, aliás, suficientes para que nossa imaginação não voe alto demais. A descaracterização atinge também a personalidade do personagem e, em alguns casos, adultera a própria história que lhe deu origem, uma história que está relacionada com pessoas reais e, no meu entendimento, adulterar a história do personagem revela, por um lado, o total desconhecimento de sua origem e, por outro, casa haja esse conhecimento, um total desrespeito com a história de sua origem e com as pessoas que inspiraram o seu autor/criador.

O ano de 1953 foi o ano da "pá de cal", digamos assim. Naquele ano Walt Disney, após décadas de tentativas e esforços, finalmente conseguiu adaptar a história Peter Pan para o cinema e mostrou ao público mundial um filme cujo enredo não aproveitou um diálogo sequer do texto original tanto da peça teatral de 1904 quanto do romance publicado em 1911 e, ainda, apresenta um Peter Pan elfo, algo que ele nunca foi.

Eu conheci Peter Pan através de Walt Disney, assim como a maioria das crianças da minha geração. 
Gerações inteiras que vieram depois da minha, também. Você, muito provavelmente, também conheceu Peter Pan através do filme de Walt Disney...

O fato é que a versão Disney, tanto no que diz respeito ao enredo quanto em relação à aparência do personagem, serviu de espelho para todo o resto que veio a seguir, pelo menos no Brasil, mesmo tendo havido um certo período em que se tentou "resgatar" a originalidade de Peter Pan.

Segundo afirma Vera Lúcia White, na conclusão de sua dissertação de mestrado intitulada "A influência do filme de Walt Disney nas traduções e adaptações brasileiras de Peter Pan entre 1953 e 2011":

(...) "Tão grande é o poder do desenho animado da Disney que a visão de Peter Pan apreendida pelo mundo ocidental de maneira geral atualmente é a imagem do Peter Pan criado por Walt Disney no início da década de 1950." (...) [E] "Apesar do filme de Disney não se apresentar com a mesma força impositiva de parâmetro único e com status de original dentro do círculo da literatura infanto-juvenil adquirido anteriormente, nota-se que em muitas esferas não houve alteração nenhuma." (Pág. 111)

A esmagadora maioria dos livros publicados no Brasil que pretendem contar a história Peter Pan não apresenta o texto original e muito menos integral e ainda confundem tudo ao classificar Peter Pan como uma história infantil. Não é. A peça teatral sim, era destinada ao público infantil e adulto. O texto da peça foi revisto e aprimorado pelo autor até 1928 quando, finalmente, foi publicado. A peça foi vista por milhares de pessoas ao longo de décadas na Europa. 
Mas o texto do romance publicado em 1911 "Peter & Wendy" e depois, mais tarde, apenas "Peter Pan", não é um texto exatamente destinado ao público infantil.

Como diz o acadêmico e especialista em clássicos e fábulas norte-americano, Jack Zipes no posfácio que escreveu para a edição com texto integral de "Peter & Wendy" publicada pela Editora Cosac Naify, em 2004:  

(...) "O romance "definitivo" é a mais complicada e sofisticada de todas as versões
de Peter Pan, e embora possa dirigir-se em parte aos leitores jovens, é (...)      
escrito antes de tudo para adultos. Não se trata de ficção para crianças. As      
alusões cifradas, os apartes, os gracejos e as intrusões que ocorrem com piscadela de olhos são numerosos demais para que uma criança possa perceber tudo o que ocorre ao longo do romance. Não que os leitores adultos possam compreender por completo o significado de Peter e da Terra do Nunca, mas fica claro que o narrador do romance conta sua história para adultos e, dado o conhecimento íntimo dele sobre as crianças e o mundo delas - algo que ostenta para seus leitores -, assume a missão de explicar as crianças para os adultos." (...)

De fato. Estou lendo o texto integral de Peter Pan, publicado pela Editora Zahar em 2012. Uma edição primorosa em capa dura, comentada e ilustrada. As ilustrações são uma reprodução autorizada das ilustrações originais de F.D. Bedford para o livro publicado em 1911.


O texto é extremamente rico e maravilhoso,  mas devo dizer que concordo com Jack Zipes: não é para uma criança. E também não é para um adulto que não conheça a história por trás da história de Peter Pan.

Tudo isso e muito mais eu descobri recentemente, graças à minha vontade de criar uma versão do personagem em formato de boneco de pano plena de significado e sentido para mim e não poderia  fazer isso sem antes conhecer sua história e assim fui completamente arrebatada por uma história incrível que tentarei contar a vocês aos poucos, aqui no blog.

No próximo post falarei sobre James Matthew Barrie, o autor/criador de Peter Pan

Beijo
Ju


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