terça-feira, 26 de março de 2019

Seguindo as pegadas de Peter Pan (J.M.Barrie rumo a Londres)




Olá!

Dando sequência à série de textos "Seguindo as pegadas de Peter Pan", nossa viagem no tempo de hoje começa em Edimburgo, a capital da Escócia, depois segue para Nottingham e, finalmente, Londres.

--------------------


Edimburgo, Escócia (1878 - 1882)


Via

Inicialmente a vida de Barrie em Edimburgo não foi fácil: seus recursos eram escassos, socialmente ele sofria com sua habitual timidez em público e sua baixa estatura o incomodava. (Veja Nota 1) 

Durante o período universitário dedicou-se seriamente aos estudos, frequentou teatros avidamente e graças a um grupo de debates do qual fazia parte e às amizades que fez com outros estudantes,  Barrie superou consideravelmente sua timidez.  (ZIPES: 2004)


Além disso, sua paixão pelo críquete ³ o levou a criar um time, o "The Allahakbarries"  e um dos jogadores era nada mais nada menos que Arthur Conan Doyle, o escritor escocês criador de "Sherlock Holmes".
 Tinham em comum a nacionalidade escocesa, a formação universitária em Edimburgo, a paixão pelo críquete e a paixão pela literatura e pelo teatro. Tornaram-se grandes amigos e Doyle diria sobre seu amigo baixinho: "não havia nada de pequeno em Barrie exceto seu corpo".4



Nottingham, Inglaterra (1883 - 1884)


Em 1882 Barrie concluiu sua graduação e estava de volta à mesma situação de anos antes: formado e desempregado. Então retorna à sua aldeia Kirriemuir, na Escócia e no ano seguinte consegue uma vaga de jornalista num jornal inglês, o "Nottingham Journal", (localizado na cidade de mesmo nome)  onde trabalhou 18 meses. Nesse período ele teve oportunidade de "escrever artigos de perfis de pessoas (...), resenhas, contos e uma peça de teatro." (ZIPES: 2004)

Barrie morava na 5 Birkland Avenue, numa modesta casa estilo vitoriano, e no trajeto diário para o trabalho atravessava o "Nottingham City Park", atualmente conhecido como "Arboretum Park". 5
Este lugar é apontado como uma das suas fontes de inspiração para a futura "Never, never land", o que não é de se duvidar, dada a beleza inspiradora do lugar, especialmente o lago:


Mas a permanência de Barrie em Nottingham durou pouco devido às dificuldades financeiras do Nottingham Journal, e então, em 1884 ele retorna novamente à sua casa na Escócia, onde faria planos de se mudar para Londres, o que aconteceu em 1885.

O jornal onde Barrie trabalhou na cidadezinha inglesa de Nottinghamshire, ainda ostenta na fachada essa bela placa em homenagem ao jornalista que se tornaria, anos depois, um brilhante escritor e dramaturgo:




Londres (1885 - 1897)

A história de Barrie em Londres não se resume ao período 1885 - 1897, é muito mais longo. Porém, aqui neste post faço um corte em 1897 porque foi neste ano que Barrie conheceu as crianças que o motivaram, definitivamente, a finalmente trazer Peter Pan ao mundo e esta parte da sua biografia é vital para a compreensão do personagem.

Apenas cinco anos após se estabelecer em Londres, nas proximidades  do "British Museum", Barrie já era visto "como um dos jovens literatos mais promissores da Inglaterra". (ZIPES: 2004)

De 1888 a 1896, Barrie escreveu cinco obras de ficção, oito peças de teatro, um poema em homenagem ao grande Robert Louis Stevenson (o escritor preferido de sua infância), uma ópera e uma obra de não-ficção, que foi a biografia de sua mãe, Margaret Ogilvy (1896).

Sua produção seguiria adiante riquíssima, incluindo obras de cunho autobiográfico, como por exemplo, "Sentimental Tommy" , seguido por "Tommy and Grizel". Neste último, escrito em 1900, já havia prenúncios de Peter Pan:

" Pobre Tommy! Ainda era um menino, sempre um menino, tentando às vezes, como agora, ser um homem, e toda vez que olhava ao redor retornava correndo para a sua infância, como se a visse estendendo-lhe os braços num convite para voltar e retomar os seus folguedos. Gostava tanto de ser menino que era incapaz de crescer. (...)" (ZIPES: 2004)

Ainda segundo Zipes: 

"Essas passagens são significativas porque revelam como, ainda no início de sua carreira, Barrie tentou apresentar-se como um menino que não queria crescer.  (...) Barrie não revela verdades a seu respeito, mas dosa o quanto expõe, a fim de ocultar uma percepção inquietante de sua psique e de seu próprio comportamento. Muito escritores produzem obras autobiográficas para construir lendas acerca de si mesmos e impedir que o público forme opiniões autônomas a respeito deles. Barrie não agiu diferente, e sempre tentou censurar e controlar suas relações com o mundo exterior." (...)

Nos anos 1890 Barrie já era um escritor famoso, com uma situação financeira muito confortável, bem diferente dos anos anteriores. Agora, suas relações com o mundo exterior girava em torno do seu interesse pela alta sociedade e por mulheres, especialmente jovens atrizes. (ZIPES: 2004)
Uma delas chamou sua atenção em particular: Mary Ansell



Mary atuava na peça de Barrie, "Walker, London", de 1892
Apaixonado por ela, Barrie demoraria muito tempo até que criasse coragem para pedir-lhe em casamento. 
A união ocorreu em 1894 e foi um grande passo, primeiro porque esse casamento representou uma espécie de "entrada" no mundo adulto, por assim dizer. Segundo, porque não há relatos de que Barrie tenha tido qualquer relacionamento amoroso antes dessa união. Até então, ao que tudo indica, havia sublimado esse aspecto da vida; seus amores teriam sido platônicos, romantizados ao extremo e guardados em algum cantinho do seu ser.

Como diz Janet Dunbar:6

"Só Deus sabe que noite escura da alma J.M. Barrie precisou atravessar pela ideia de uma união com uma mulher de carne e osso. Nunca mais poderia refugiar-se em cenas românticas quando a vida pusesse sua poderosa imaginação em conflito com as realidades do casamento. O quanto Barrie tinha clareza sobre si mesmo? Será que sabia, ou suspeitava, que lhe faltava virilidade, e por isso não devia se casar de todo? É difícil acreditar que nunca pensasse sobre sexo, com a imaginação que tinha; da mesma maneira, não é difícil entender por que entrava em pânico com a ideia de qualquer contato carnal com as mulheres. Margaret Ogilvy tinha deixado sua marca no filho quando esse estava na idade mais suscetível, e em seu subconsciente, ele ainda aceitava a atitude puritana extremada da mãe, para a qual as relações entre o homem e sua mulher eram "lamentáveis mas necessárias". É provável que a única maneira que ele encontrou para resolver os complexos criados por essa atitude fosse a sublimação de seus desejos naturais - que transformava numa espécie de adoração romântica mas, no íntimo, sabia ser falsa, e que não tinha como controlar." (DUNBAR, citada em ZIPES: 2004)

Não é de se admirar, portanto, o fato de que essa união de Barrie com Mary não tenha produzido herdeiros, pois nunca foi consumada, isto é: Barrie e Mary nunca tiveram relações íntimas. Ele não conseguiu superar o conflito interno menino versus homem. Viver até o fim da vida nesse limiar indefinido seria, de fato, o seu destino.

A esta altura, Barrie mudou-se para uma luxuosa casa em Londres, próxima ao famoso e belíssimo Kensington Gardens (Veja nota 7), um lugar repleto de significado, o lugar onde Peter Pan "viveu" e de certa forma ainda "vive", pois lá está a homenagem que o próprio Barrie fez a ele em 1912:



A nova residência do escritor ficava muito próxima ao Kensington Gardens e Barrie costumava caminhar no parque diariamente, acompanhado do cão da raça São Bernardo, Porthos (1894-1901), seu cão amado.

Porthos
Foto muito antiga, sem data

Embora fosse de Mary e ela cuidasse dele, Porthos tornou Barrie seu preferido e ambos tornaram-se amigos inseparáveis até 1901, quando o cão adoeceu e foi levado para o Lar do Cão em Battersea, onde faleceu. (Veja nota 9)

Dois anos depois, os Barrie adotaram Luath, um cão da raça Terra Nova (Landseer Newfoundland) que serviria de base para o personagem Nana, a babá da família Darling:


Quando os Barrie se divorciaram Luath permaneceu, até sua morte por velhice, com Mary Ansell.

Voltando aos passeios de Barrie com Porthos no Kensington Gardens, durante um deles, em 1897, Barrie conheceu três meninos: George, John e Peter Llewelyn Davies. George tinha 5 anos, John 4 anos e Peter, menos de 1 ano de idade. 

 George Llewelyn Davies
Aqui aos 19 anos de idade


 John (Jack) Llewelyn Davies
Aqui aos 20 anos


 Peter Llewelyn Davies
Aqui sem idade informada


Peter Llewelyn Davies
Aqui aos 20 anos


A babá dos Davies, Mary Hodgson
(1876 - 1962)


Começava ali naquele encontro casual e inesperado, uma história que mudaria para sempre o rumo da vida de Barrie, da família Davies e traria Peter Pan ao mundo...

Continua no próximo post!

Até breve!

Beijo
Ju



-----------------
Notas
¹ Aos 18 anos de idade ele media 1,55 cm, quando a altura média dos homens britânicos² aos 21 anos na sua época era de 1,67 cm, segundo um estudo publicado em 2013 na revista científica Oxford Economic Papers. Teoricamente ele ainda cresceria até os 20 anos, mas isso não ocorreu.
Na tentativa de alegrar a mãe logo após a morte trágica do irmão, o favorito dela,  Barrie passou a vestir-se como ele e adotou seus modos e maneiras.  Além disso, ele e a mãe desenvolveram uma relação muito próxima, como nunca antes, mas sempre tendo o falecido irmão como vínculo principal. Essa convivência repleta de emoções conflitantes com toda certeza produziu efeitos psicológicos e emocionais não de todo positivos. 
Há quem sustente a tese segundo a qual um dos efeitos desse processo foi a baixa estatura. Na biografia da mãe que ele escreveu, Barrie afirma que o único consolo dela era a percepção de que seu filho morto permaneceu para sempre como seu pequeno David... Assim, em tese, sob o efeito do estresse emocional decorrente do quadro depressivo da mãe contra o qual Barrie lutou bravamente para reverter (apesar de ter somente 6 anos de idade), seu corpo supostamente teria "parado" de crescer, assumindo a estatura que o irmão David tinha quando faleceu aos 13 anos. 
Atualmente seria dito que, de alguma forma, o chamado Hormônio do Crescimento (GH) parou de ser produzido por seu organismo. Outro efeito foi o seu amadurecimento precoce, ao assumir aspectos da personalidade do irmão morto, 7 anos mais velho que ele.
Os efeitos psicológicos e emocionais desse período crítico em sua infância o acompanhariam por toda a vida, mas ele havia feito uma promessa a si mesmo: buscar sucesso na vida para “restaurar a saúde e a felicidade da mãe” (ZIPES: 2004) e empenhou-se fortemente para isso, mas assim como o próprio Barrie nunca soube, também nunca saberemos se Margaret Ogilvy teria sentido orgulho do filho pelo qual ela e o marido não nutriam muitas expectativas. Não do modo como nutriram em relação ao irmão morto, David.

² Britânicos são todos os nascidos em quaisquer dos países que formam o Reino Unido, ou seja: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Barrie, como sabemos, era natural de Kirriemuir, Escócia. E em termos de altura, sabe-se que os escoceses são particularmente altos, em média mais até que o restante dos britânicos. Mais um motivo para Barrie sentir-se constrangido...

³ Segundo a Wikipédia , o críquete é um esporte que utiliza bola e tacos, cuja origem remonta ao Sul da Inglaterra, em 1566. Considerado por muitos um jogo parecido com o basebol, ele foi inspirado num rudimentar jogo rural medieval chamado stoolball. Foi adotado pela nobreza no século XVII.

4 https://www.arthur-conan-doyle.com

5 Sobre o Arboretum Park: https://www.visit-nottinghamshire.co.uk/things-to-do/nottingham-arboretum-p641471

6 Janet Dunbar é autora do livro "J.M.Barrie: The Man Behind the Image", 1970. Infelizmente, sem tradução para a Língua Portuguesa.

7 Para saber mais sobre o Kensington Gardens, vale a pena visitar estes sites: https://www.royalparks.org.uk/parks/kensington-gardens e https://en.wikipedia.org/wiki/Kensington_Gardens

8 Porthos foi um presente de Barrie para sua esposa Mary Ansell, quando eles estavam na Suíça. O nome Porthos não está relacionado ao personagem homônimo de Os Três Mosqueteiros, tratando-se de mera coincidência

9 Battersea é um abrigo para animais desamparados, fundado em 1860 e ainda ativo. Se quiser saber mais, vale a pena acessar o site: https://www.battersea.org.uk









Um comentário:

  1. mens black titanium wedding bands - Titanium Artists
    mens black titanium titanium white paint wedding where to buy titanium trim bands. Mens Black and Mouses, which is ford escape titanium for sale in general an “metal” band, have titanium cerakote been around for over a decade. titanium vs ceramic flat iron

    ResponderExcluir